Categoria: Nilson Lattari

  • ELAS NÃO SÃO POBRES, ELAS ESTÃO POBRES – Nilson Lattari

    ELAS NÃO SÃO POBRES, ELAS ESTÃO POBRES – Nilson Lattari

    Nunca um verbo fez tanta diferença. Ser pobre não é um estado de eternidade, porque um jovem que nasce pobre não tem essa condição por escolha própria. É tudo uma questão de nascer em uma família, numa comunidade ou em um país onde sua condição está mantida, não importa o quanto eles tentem sair dela, para estar pobre até o final da vida.

    Nenhum pobre sonha em ser um profissional destinado a servir na condição mais humilde a outros. Pobres também sonham. No entanto, os seus sonhos têm um limite, até porque nem mesmo eles têm, penso eu, a dimensão de até onde podem ir. Cedo aprendem os seus limites, mesmo que guardem dentro de si um potencial que nunca será explorado em proveito próprio, mas dentro de uma limitação que a sociedade lhes impõe.

    As mulheres, principalmente, em muitas sociedades em um estágio de total desamparo até aquelas mais adiantadas, mesmo assim estão sendo exploradas em algum grau. São aquelas as mais vulneráveis diante das adversidades.

    Elas não são fáceis porque são pobres. Elas estão em estado de pobreza, o que não lhes permite qualquer negociação. A pergunta se estende a todas as mulheres que vivem neste planeta. Não podemos nos esquecer que mesmo aquelas que não se encontram em estado de vulnerabilidade estão vulneráveis. Não porque sejam pobres, mas porque são, simplesmente, mulheres.

    Pobres lutam contra a falta de perspectiva, a falta de horizonte que lhes permita fazer dos sonhos uma realidade. E os sonhos são tão simples que nos faz pensar porque não se realizam, já que são favas contadas para aqueles que têm alguma porta de saída das suas condições. É que mesmo os sonhos guardam uma pobreza de horizonte e quando nem mesmo isso conseguem, os pobres de espírito denominam àqueles que se encontram em estado de abandono, como preguiçosos e perdedores.

    Como são pobres aqueles que enxergam a vulnerabilidade daqueles que estão em estado de pobreza como uma possibilidade de extravasar os seus instintos mais nefastos! Até mesmo daqueles que defendem que a beleza seja um grau para ser explorada sexualmente, dando às feias a mera condição de um zero, de uma inexistência.

    Já comentei antes que a natureza se vinga da sociedade. A visão de uma comunidade e seus filhos vivendo e morrendo na pobreza mostra uma natureza que se defende quando, dentre aqueles que estão naquela condição, existirá alguém, homem ou mulher, que preserva uma mente privilegiada e passível de, se adotada e cuidada, serem os responsáveis por descobrir grandes coisas como, por exemplo, a cura de doenças daqueles que de tão pobres morrem por se negar a respeitar e amar o próximo.

    Quantos pobres de espírito e solidariedade se julgam superiores àqueles que vivem na pobreza, não por escolha mas por um destino que os negligenciou e os desprezou. Pobres de um tour macabro que vê na falta de sorte do outro uma oportunidade de se mostrar tão maus quanto são.

    Se homens ou mulheres não estivessem em estado de pobreza seriam objetos de humilhações e tours? Carnes baratas para saciar a fome e a sede de privilegiados?

    Estar em uma determinada situação é a senha para dizer que eles ou elas poderiam não estar.

     

    ___________________________continua depois da publicidade____________________________

     

     

     

    ___________________________continua depois da publicidade____________________________

     

     

     Nilson Lattari é Escritor

     

    12729255_119502638436882_132470154276352212_n

    Roger Campos

    Jornalista / Editor Chefe

    MTB 09816JP

    #doadorsemfronteiras

    Seja Doador de Médicos sem Fronteiras

    0800 941 0808

    OFERECIMENTO

     

  • EUREKA! – Nilson Lattari

    EUREKA! – Nilson Lattari

    O último a proferi-la, de forma fantasiosa, dizem, foi Arquimedes. Até mesmo dizem que ele saiu pelado pelas ruas exclamando a palavra quando fez uma descoberta. Isso depois de jogar a água para fora da bacia, ou da banheira, se alguém ainda sabe o significado da expressão, de forma jocosa, a cena de nudez explícita talvez componha o ambiente.

    Brincadeiras à parte, ter uma ideia é um fato que deve ser comemorado. Uma ideia vive pelo ar, como disse um amigo, que a ideia não é nossa, ela é fruto de uma troca de informações entre todos, até que chega a uma mente brilhante e ela se transforma em algo tangível, perfeitamente executável.

    Certa vez, pensei em fazer uma música que comporia uma peça infantil que não evoluiu – o grito de Eureka! ficou no ar. A letra dizia, mais ou menos que existiria uma ideia por aí doida de alegria para me encontrar.

    A ideia, então, funcionaria assim, como a indagação do meu amigo. Elas pululam por aí, até que alguém resolve colocar os pingos nos is, organizar as informações e comemorar a sua brilhante conclusão.

    Ideias são assim, nômades, espalhadas entre todos. Algumas vezes está diante dos nossos narizes e cometemos um erro crasso e ela passa incólume, como o trem que parou na estação e chegamos atrasados, ou não comparecemos para pegá-lo por preguiça, conforto ou desatenção.

    Basicamente, uma ideia se desenvolve quando nosso foco é pensar que ela existe, é factível, e os processos para alcançá-la se resumem em conjecturar em tudo que ouvimos, imaginamos, lemos, conversamos, perguntamos o que podemos fazer com as informações. Para alguns, como posso ganhar dinheiro com isso ou como posso aprender mais com isso e trazer conforto espiritual ou físico.

    Nossas ideias devem estar a serviço da nossa individualidade, da nossa construção, para que a coletividade, como um todo, usufrua delas. Ideias são coletivas porque são construídas a partir do pensamento de muitos, inclusive dos erros cometidos, fontes de aprendizado.

    Arquimedes teve uma ideia que revolucionou nossa compreensão em pontos importantes, que levou a outras conclusões, e por aí a ideia foi ganhando músculos, especulações e nos beneficiamos dela de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente.

    Os frutos das nossas ideias talvez não nos alcancem no futuro, mas servirão para mudar a vida dos nossos filhos, nossos ascendentes. Ideias não são frutos egoístas que devemos guardar para nós, como muitos fazem, objetivando seu próprio benefício.

    O pensador grego saiu pelas ruas gritando a palavra mágica. Sua nudez pode ser usada de uma forma simbólica como aquele que difunde seu pensamento de forma despojada, soltando a notícia para todos, sem discriminação, importando mais o benefício da humanidade do que a si mesmo.

    A ciência é e deve ser assim. Descobrir, inventar, criar são requisitos próprios dos seres humanos. Ideias não têm donos. E aqueles que as difundem são os responsáveis pela nossa sobrevivência. Confiar na ciência é a ideia básica para construir uma sociedade.

     Nilson Lattari é Escritor

    #conexãotrêspontas #notícia #opinião #comentando #polêmica #jornalismo #informação #comportamento #fato #pandemiacoronavirus #uti #rogercampos #minasgerais #suldeminas #Conexão #reportagem #notícias #Covid19 #distanciamentosocial #instagram #twitter #saúde #educação #política #economia #governofederal #trêspontas #vacinacontracovid19 #bolsonaro #coronavac

    OFERECIMENTO

     

     

  • DIVULGAR – Nilson Lattari

    DIVULGAR – Nilson Lattari

    Aproveitando o grande alcance das redes sociais, divulgar é o desejo de todos aqueles que querem colocar seu bloco na rua, ou colocar nas ruas virtuais tudo aquilo que fazem. Pedidos de likes são quase implorados pelos Youtubers, Influencers e outros nomes novos na constelação de profissões.

    Para ser um Youtuber você tem que se destacar no meio da nuvem de buscadores dos likes e empregos fáceis. Alguns prometem coisas impossíveis, como ganhar dinheiro no mercado financeiro, prometendo, inclusive, liberar sua carteira de ações, estudadíssima, que os transformou em novos ricos, e eles, é claro, são boas pessoas que vão revelar o caminho das pedras virtuais em direção ao paraíso sonhado.

    Esse tipo de coisa sempre existiu. Sempre existiram aquelas pirâmides fantásticas prometendo por A + B que daria certo. E por que não daria? Sempre deu certo para os que iniciam o processo. Nas redes virtuais o processo é o mesmo: quem chega primeiro, quem tem a ideia primeiro, quem aparece pelado primeiro, consegue.

    Aí caímos nos nudes.

    É incrível a que ponto chegam as pessoas na busca por likes. E é incrível como querer colocar alguma coisa séria não funciona.

    É claro que alguns se aventuram em fazer aquilo que não sabem, de forma nenhuma, e não tem a menor ideia de como funciona. De repente, somos inundados por críticos políticos, conselheiros econômicos, cursos de qualificação para ganhos fáceis.

    E chegamos ao coach. O coach é o guru dos novos tempos. O interessante é que os cursos de coach formam coaches que se tornarão formadores de outros coaches, perfazendo uma linha de produção fantástica. Não é lindo?

    Publicar, estender, alcançar o público. Gente que se imagina ser alguma coisa, sem a menor noção do que está fazendo, tentando o mundo fácil dos ganhos de likes.

    Colocar seu trabalho, o que você faz, não é defeito. Afinal, se a sua intenção é ser conhecido por fazer o que gosta não há nada de mal nisso. De nada adiantará deixar nas gavetas o seu trabalho. Para dançar, é necessário participar da festa, e ser convidado para a dança.

    O problema é que a qualidade de qualquer obra não envolve o trabalho do autor. A qualidade é medida pela quantidade de seguidores. Seria esse um critério de qualidade ou um critério comercial? E é verdade que é um critério comercial. Qualidade é vender. Quem vende tem qualidade. A questão seria: o que é qualidade?

    Entreter é fácil. Afinal, com um corpo e uma câmera na mão, e a internet funcionando, o céu dos algorítimos é o limite.

    Que fetiche leva um grupo de pessoas a correr atrás das “informações e ensinamentos de alguém”?

    Esse algorítimo do inconsciente coletivo vem de longo tempo. Afinal, mentiras sempre venderam. O famoso livro “Eram os deuses, astronautas?”, grande sucesso nos anos 70, comprovadamente, se baseou em fatos verdadeiros, devidamente colocados em locais estratégicos. À época, a busca pela informação correta era muito complicada. Hoje, o Google é capaz de dar a resposta na hora certa. Mas, também, a divulgação de mentiras continua a todo vapor. No fundo, a divulgação da notícia, da informação que agrada às vozes que soam nas cabeças de alguns, é a explicação por que, no mundo altamente tecnológico de hoje, as mesmas táticas antigas continuam a funcionar.

    O problema não está no emitente do discurso, mas no receptor que quer ouvir e ver o que gosta.

     Nilson Lattari é Escritor

    #conexãotrêspontas #notícia #opinião #comentando #polêmica #jornalismo #informação #comportamento #fato #pandemiacoronavirus #uti #rogercampos #minasgerais #suldeminas #Conexão #reportagem #notícias #Covid19 #distanciamentosocial #instagram #twitter #saúde #educação #política #economia #governofederal #trêspontas #vacinacontracovid19 #bolsonaro #coronavac

    OFERECIMENTO

     

     

  • EM BUSCA DE UM ANJO por Nilson Lattari

    EM BUSCA DE UM ANJO por Nilson Lattari

    Algumas pessoas creem na existência de anjos que nos protegem, individualmente, tendo cada um de nós um anjo para chamar de seu.

    Depois que Deus entregou a uma força do mal um dos seus mais crentes, Jó, permitindo que se fizesse tudo a ele, a não ser sua morte, foi estabelecido que Deus estava certo em acreditar na força do seu poder, ancorado na força de Jó em acreditar Nele.

    Qual seria, então, a formalização que Deus estabeleceu para os seus anjos quando deu a eles a incumbência para serem nossos protetores? É certo que à força do mal foi dada total liberdade. E nossos anjos teriam essa liberdade?

    Jó se perguntava por que Deus permitiu que ele sofresse tanto. E nós, sofremos? Ou a presença dos anjos seria apenas para nos guiar, desde que estejamos dentro das regras do jogo? Não há nenhuma garantia sobre nada disso. Seja a existência dos anjos, seja a missão que lhes tenha sido dada.

    Quando estamos mal das pernas na vida, pedimos a Deus, ou ao nosso anjo, uma saída, uma porta por onde possamos seguir e passar por cima das nossas adversidades. Nem sempre somos atendidos, talvez porque a porta de saída esteja ao nosso alcance, e não há necessidade de Deus, ou algum anjo, nos mostrar, apenas não queremos enxergar ou aceitá-la. E o que um anjo poderia fazer então?

    Até porque quando construímos nossos problemas, entramos de cabeça neles, não estabelecemos uma porta de saída, e, nesse caso, cabe a quem pariu o problema que o embale.

    Mas, têm horas em que algumas coincidências acontecem, como se alguém mexesse no tabuleiro de xadrez das nossas vidas, e na de outros, que as coisas parecem se encaixar. Alguns atribuem às obras do acaso, à sorte, a um milagre, enfim, há sempre alguma explicação. E, até mesmo, não sentimos nossa força própria de alcançar a saída, aquela que menosprezamos, não imaginando a nossa capacidade de reação.

    Mas, têm outras. Aquelas que vêm do nada, do nada mesmo, que a gente duvida dessas coisas, porque é coincidência demais. E são coisas que acontecem uma vez na vida. E, nessa hora, precisamos de uma reflexão: Devemos menosprezar um presente que, literalmente, cai do céu? E devemos nos perguntar, também, se aprendemos a lição?

    Pois é. Anjos talvez sejam professores que dão uma mãozinha, mas exigem um aluno aplicado e interessado. Errar uma vez, vá lá. Duas? Nem pensar. Aí, não há anjo que dê jeito.

    Podemos imaginar anjos nas nossas vidas, e isso é muito bom! Que haja seres divinos encarregados de nos proteger! Sobrecarregá-los, outro tanto, já se torna uma tarefa ingrata, até mesmo para os anjos.

    A decisão é pensar duas vezes antes de fazer. Não dar trabalho para eles, nossos professores. Tirando a hora final, mas em um sofrimento qualquer, que as mãos deles nos afaguem, porque não são capazes de milagres, creio eu. E se a coisa for coincidência demais, dessas que nem você acredita, pense bem: Deve ser um anjo, e parece que você não deu muito trabalho a ele, na sua vida, e tem alguém lá em cima que gosta de você.

     Nilson Lattari é Escritor

    #conexãotrêspontas #notícia #opinião #comentando #polêmica #jornalismo #informação #comportamento #fato #pandemiacoronavirus #uti #rogercampos #minasgerais #suldeminas #Conexão #reportagem #notícias #Covid19 #distanciamentosocial #instagram #twitter #saúde #educação #política #economia #governofederal #trêspontas #vacinacontracovid19 #bolsonaro #coronavac

    OFERECIMENTO

     

     

     

  • E SE O NOVO CHEGAR? por Nilson Lattari

    E SE O NOVO CHEGAR? por Nilson Lattari

    Entrar em uma sala que você nunca viu, arriscar colocar uma cor na sua parede, tão confortável o branco era, imagine! Mudar de bairro, de cidade, de país! O novo é como entrar em uma floresta onde você nunca foi antes. Mas, o novo também é percorrer as areias de uma praia deserta onde somente seus pés possam identificar a presença humana, e o seu olhar procura por perigos que possam existir, receber o novo gadget, o eletrônico que precisa de manual, e que vai te surpreendendo com a capacidade dele, entrar em águas límpidas de um rio e sentir uma água transparente.

    O novo assusta por ter uma fronteira desconhecida, o velho, o habitual, é confortável.

    O novo também existe quando nossa mente se abre e deixa alguma nova experiência existir. São os labirintos do seu corpo a perceber novos cheiros, novos sabores, excitações.

    Experimentar o novo é aprender, é uma alfabetização de um outro mundo.

    Assim são, também, os projetos da humanidade. Grandes mudanças sociais existem para que experimentemos. Se a confusão pelo novo existe em pequenas coisas, e sem perceber ficamos confusos, existe um conforto porque podemos retroceder ao velho velho. Imagine percorrer os caminhos novos sem perspectiva de retorno. Determinados a viver em um outro planeta, a construí-lo, sem que se possa retornar à velha Terra azulada.

    As mudanças na sociedade são assim, conturbadas, confusas, experimentações, mas esperançosas. Para aqueles que se guardam nos chavões de que o correto, o mais seguro é o que está aí, são aqueles que têm muito mais a perder, porque no velho comandam, têm a perder o medo de mudar, e têm o medo de não poder mais conduzir o outro, aprisionam para continuar comandando.

    Pode-se se assegurar que aquele que mais tem medo é aquele que tem muito, sejam bens materiais ou poder, e a única arma é implantar a mentira, a bazófia e procurar cooptar e contaminar tudo. A lógica é perfeita quando alguém que tem um percentual grande da riqueza incentiva aos que não têm a lutar por ela. A pergunta é: De quem esse futuro vencedor vai tirar? Daquele que é igual, nunca daquele que está acima. E constroem mais seres medrosos, ou falsamente esperançosos.

    Por isso, sociedades que tentam uma mudança parecem confusas, os caminhos do novo são virgens, são originais, são nunca vistos. E para que eles não progridem é preciso sabotá-los, primeiro com mentiras, depois com a força.

    A presença das cinzas não abole a possibilidade de o fogo voltar.

     Nilson Lattari é Escritor

    #conexãotrêspontas #notícia #opinião #comentando #polêmica #jornalismo #informação #comportamento #fato #pandemiacoronavirus #uti #rogercampos #minasgerais #suldeminas #Conexão #reportagem #notícias #Covid19 #distanciamentosocial #instagram #twitter #saúde #educação #política #economia #governofederal #trêspontas #vacinacontracovid19 #bolsonaro #coronavac

    OFERECIMENTO

     

     

     

  • A VIAGEM por Nilson Lattari

    A VIAGEM por Nilson Lattari

    E assim, quando eu adoecia, sua mão fria pousava na minha fronte aquecida e era como um bálsamo que me trazia o remédio que nenhum outro remédio podia acalentar.

    De outra vez, era você que estava na cama e, meio sem jeito, trazia fumegando uma sopa qualquer, e, doente, você ria diante dela, e minha mão sentia o flamejar da sua testa, e a sua febre de súbito desaparecia.

    E fomos assim, com o passar do tempo, alimentando nossas alegrias, e sustentando nossas quedas, com o passar dos dias.

    Uma noite dessas, eu acordei e minha mão ao pousar no seu lado encontrou o vazio. Foi a primeira noite que dormi sem você ao lado. Era como voltar ao passado sem ninguém e acordasse novamente sozinho, depois de viajar por tanto tempo com você.

    Qualquer barulho que acontecia na casa, o bater do vento a porta teimosa em dançar sua dança muda, o latido do cachorro no quintal, como avisando a chegada de alguém, ou mesmo o pinga-pinga da bica que só agora eu percebia e me arrependia de nunca tê-la consertado, porque o seu barulho não me incomodava, você ocupava todo o resto, e só agora eu notava a solidão tomando conta do espaço antes ocupado. Levantava a cada um desses sons e andava pela casa tentando encontrar você, de seu espírito ainda zeloso, teimoso a tomar conta dos pratos sujos na pia, da roupa amarrotada e jogada sem qualquer jeito nas cadeiras.

    E então eu resolvi sair pela noite, pelo dia, à procura dos lugares onde frequentamos juntos, não mais caminhando rápido ao seu encontro, mas prorrogando a chegada, como se meus passos recuados pudessem dar tempo de você chegar.

    Quando amigos resolveram me levar para novamente viver a vida, no meio de dançarinas seminuas, como se meu conforto estivesse no viço de uma juventude qualquer, ou de um corpo oferecido em promoção, eu procurava no meio delas, descobrir você fantasiada de qualquer coisa que pudesse me enganar, e sairíamos dali correndo.

    Tudo em vão.

    Repasso as mãos nos seus retratos, vislumbro o sorriso branco, iluminado, como uma praia guardada no tempo. E depois, trazendo seus traços

    mais presentes, ainda o sorriso era a mesma praia, agora cercada pelas ondas que o rosto forma com o passar do tempo.

    E uma das noites eu acordei de repente, com um susto qualquer, e procurei pela casa, como um fantasma, rápido e fagueiro, com as pernas obedientes como antigamente. E vi você, finalmente, chegar com a roupa e o rosto de antes, me pegar pelo braço e me olhar sorridente, com o convite para uma nova viagem iniciar.

     Nilson Lattari é Escritor

    #conexãotrêspontas #notícia #opinião #comentando #polêmica #jornalismo #informação #comportamento #fato #pandemiacoronavirus #uti #rogercampos #minasgerais #suldeminas #Conexão #reportagem #notícias #Covid19 #distanciamentosocial #instagram #twitter #saúde #educação #política #economia #governofederal #trêspontas #vacinacontracovid19 #bolsonaro #coronavac

    OFERECIMENTO

     

     

  • FOME DE AMOR – Nilson Lattari

    FOME DE AMOR – Nilson Lattari

    Fome de amor não é uma fome que a gente sacia com a gula, como um faminto que chega do deserto por tanto tempo a vagar. Fome de amor não dói o estômago, como se ela se grudasse por dentro. Fome de amor a gente não esquece no copo de vinho enquanto o jantar não vem.

    Fome de amor é o princípio de algo desconhecido, alguma coisa que nenhum alimento é capaz de sanar. Fome de amor se sacia no toque de mãos, nos olhares longos trocados, nos abraços sem fim. E, mesmo assim, ela parece não querer ir embora, parece que ela faz, como uma doença, que a gente quer que ela fique por um tempo mais. Quem sabe uma pequena eternidade?

    Fome de amor vem do nada, vem de repente, e quando não entendemos nada, é uma tonteira sem fim, um não parar para pensar, e só pensar naquele ou naquela que é capaz de nos dar alguma coisa parecida com um alimento, algo que nunca provamos, só sabemos que sentimos fome disso.

    Tem gente que padece dessa fome, outros fingem não querer, desdenham dela, mas sentem inveja de quem tem.

    É um olhar perdido no nada, como um viajante vagando a esmo, e tendo somente na frente dos olhos a figura do repouso onde a fome pode se acabar, ou pode dar um termo a ela.

    Fome de amor é um tormento que deixa a boca seca, e um sentimento de ciúme vai tomando conta, que a gente já não sabe se é a fome que parece tão perto, ou porque o objeto que sacia está tão longe.

    Fome de amor quando se acaba dá um vazio por dentro. Um certo alívio, mas não quando nós não somos aqueles que procuraram o amor para saciá-la. Quando deixa de ser uma coisa mútua, companheira, somente um fica com o sal na boca, e vendo que aquela fome toda se transformou em um martírio.

    Aí é a doença, a abstinência, que como o viciado que procura uma droga, a mesma, ou uma coisa nova, mas que no fundo é a mesma coisa: sentir a fome para que um corpo macio e cheiroso venha para satisfazê-la. E aí é começar de novo a vagar pelo mesmo deserto, esses mortais tão teimosos.

    Muitos são aqueles que criticam aqueles que adoecem por causa dela. Desdenham a angústia do outro, como se não fosse coisa séria, coisa de criança que faz pirraça com o brinquedo que lhe tiraram.

    No fundo, no fundo, é inveja daquele que se lança glutão na busca da iguaria certa, enquanto que aquele que se acovarda, nunca vai perceber que a fome, no fundo, no fundo, não dói, é apenas o deslumbramento do convidado faminto que chega na festa

     Nilson Lattari é Escritor

    OFERECIMENTO

     

     

  • BEM-VINDO DESCONHECIDO por Nilson Lattari

    BEM-VINDO DESCONHECIDO por Nilson Lattari

    Batem na porta. Me pergunto quem seria aquele ou aquela que vem me importunar, me tirar do conforto do desconhecido que prefiro levar diante dos olhos. Logo eu que estou aqui vendo o mundo confortável e sem dinâmica, vivido nas aventuras de outros que se aventuram por mim. Conhecendo terras distantes, alguém trocando palavras com gente desconhecida que não eu, desnudando as informações que os jornais trazem, com a sua linguagem própria de mudar o que é verdadeiro, transformando verdades de acordo com os interesses de outro alguém e não de mim.

    Vejo esse desconhecido e não procuro conhecê-lo porque esse desconhecido me conforta, me é trazido sem pensamentos de ordem, apenas são desconhecidos e o fato de desconhecê-los por completo é uma forma simples de conhecer, de idealizar e estar idealizado dentro daquilo que eu compro, assistindo a televisão, o telejornal ou a ficção que se derrama em palavras no papel em frente.

    Batem na porta, novamente, a minha impaciência transborda. Afinal, quem será aquele ou aquela que vem me importunar naquela hora, ou em qualquer outra hora? Levanto e me dirijo até a porta, pronto a espantar aquele desconhecido que insiste em ter algo a me dizer.

    Defronte de mim, alguém se apresenta e diz: Sou o desconhecido. De tanto você conviver comigo venho enfim conhecer você.

    Me espanto, ao ver alguém que seria aquele ou aquela, sem um rosto, sem um sorriso aparente, mas com a voz vinda do desconhecido a conversar como gente.

    O que quer você? Que se diz o desconhecido, se nem mesmo o fato de não ser tem a capacidade, a vontade ou sei lá o quê, de vir até minha porta, bater sem cerimônia e se apresentar como o desconhecido e querer me conhecer?

    Eu o conheço e você não me conhece? Que estranho paradoxo é esse que você diz, conhecer a mim, e ainda ter a curiosidade extrema em vir me ver? Que queres enfim, inoportuna visita a esta hora, que seria inoportuna em qualquer momento, que me traz o desalento de vir te atender?

    Gostaria de levá-lo até o desconhecido. De pisar com os pés descalços uma terra estranha e colorida. De ver nuvens passarem onde sua vista jamais alcançou. De molhar as mãos em águas que lá estão e você desprezou. De ver sorrisos e linguagens diferentes, e mesmo sem compreendê-la, parecerá, para você, um diálogo estranho, com mímicas e gestos. De sentir outros cheiros, de saborear outras comidas, de ver a vista estendida em horizontes onde o sol se põe, o mesmo sol que nasce em todos os lugares. De ver o outro lado da ponte, o que está além do morro distante. Sou a curiosidade e vim curar-te, de vez.

    Deveria dizer-te bem-vindo? Nem eu saberia o porquê. E se depois de conhecer-te, onde haveria desconhecido para conhecer?

    Antes de tudo, é preciso coragem, para encarar o desconhecido que se estende a sua frente. Prepara-te, anima-te, vem. Enfim, encha-te de coragem e faça comigo a definitiva viagem, e saiba que sempre haverá um desconhecido para conhecer, como a aventura que se desdobra em folhas e páginas, memórias, viver o desconhecido é fazer história. E eu vim até aqui para te levar, e você descobrir com seus próprios olhos, a refletir com suas próprias palavras. Se desfaça do cobertor onde você, covardemente, se aconchega. Enxergando o mundo sempre dos olhos e palavras de outro, sem fazer a crítica das informações que você recebe, de enxergar o mundo e compreendê-lo como só o mundo pode ser.

     Nilson Lattari é Escritor

    OFERECIMENTO

  • EMPATIA – Nilson Lattari

    EMPATIA – Nilson Lattari

    A palavra existe, o sentimento nem tanto. Muitas palavras com significado humano povoam nosso vocabulário, e poucas delas são usadas no seu sentido benéfico, com a amplitude que, supostamente, representam. Digo, supostamente, porque a deturpação do grau de sentimento e a seletividade com que elas são aplicadas tornam inócuas as suas representatividades.

    A morte do ator que representou o Pantera Negra me causou um sentimento que poderia chamar de empatia. Quando fiz uma crônica associando o personagem herói de Wakanda com o imigrante africano na França, que saiu em resgate de um bebê que poderia cair do alto do prédio, e a sua determinação em escalar o imponderável e salvá-lo, tentei mostrar que nós somos iguais de verdade. Mas, só reconhecemos isso quando precisamos, realmente, do outro. Na hora do perigo e da necessidade não enxergamos, e até agradecemos que o outro ser humano se lance em nossa direção, arriscando-se para nos ajudar, não importando de onde venha a ajuda.

    Empatia e ajuda andam juntas, mas empatia não pode andar associada a interesse. Ela tem que ser natural. Vinda de dentro de nós, não para sentir a dor do outro, porque isso não é possível, mas para correr em sua direção e confortá-lo, consolá-lo, não imaginar que podemos entender como funcionam mundos distantes, mas aceitar as suas existências.

    A doença terrível que o ator contraiu foi solitária. Não a revelou, a conteve e prosseguiu seu trabalho, mostrando que a sua força era bem maior do que a do personagem que representou, mais isolada, cruel, e foi o personagem que fez com que pudesse avançar na vida, continuar vivendo e realizando seu sonho no cinema.

    Independente de representar a raça negra como seres capazes de grandes realizações, Wakanda mostra que é possível que uma cultura se agigante percorrendo seus próprios caminhos. Compreender Wakanda, suas forças, seus defeitos, contradições, que existem em nosso mundo, é empatia. Principalmente, quando ela vem em nosso socorro, comprovando que precisaremos sempre, uns dos outros.

    Boseman se foi, e levou com ele o personagem. A sua batalha foi insana, mas demonstrou que enfrentá-la foi sua única opção. Porque diante da adversidade a única maneira de viver é enfrentando, com coragem.

    Não temos contra esse Thanos viral nenhuma equipe de super-heróis para nos ajudar. E a única possível é a empatia, é essa junção de empatias que deveria formar uma corrente envolvendo todos nós.

    Boseman nos deixou sós, mas sua história, como a de tantos outros anônimos que se lançam em nossa ajuda, sem que nós saibamos, continuará a existir. O egoísmo é o real inimigo, representado pela inveja na capacidade do outro em conseguir superar obstáculos, e outros, que se enraízam na falta de empatia, disfarçados na fantasia da negação e do falso moralismo, fazendo da empatia um personagem secundário, bem longe da Wakanda isolada que existe dentro de alguns.

    Infelizmente, em um mundo onde alguns dizem que os seus pensamentos são os corretos e os outros errados, na maioria das vezes, embasados nas falsas premissas que levam às conclusões falsas.

    Mentira e empatia não andam juntas.

     Nilson Lattari é Escritor

    OFERECIMENTO

  • CRÔNICA DO AMOR DE PAI – Nilson Lattari

    CRÔNICA DO AMOR DE PAI – Nilson Lattari

    Pai é uma palavra que vive dentro de outras palavras: paixão, país, paisagem, pai-nosso. Somos tudo, até pai dos burros. É um universo que se preenche por palavras graciosas e outras nem tanto. Porque, como as palavras, são também imperfeitos, nem sempre pais completos, pais faltantes ou presentes, de todos os dias.

    O filho não nasce de um pai, ele nasce com a participação de um homem, que pode se tornar o pai ou não. E assim como as mães podem ser pais, como muitos homens podem ser as duas coisas, tudo junto. Como as palavras, as paternidades são muitas.

    O pai, na maioria das vezes, é a ausência. Pais são aqueles que chegam no final do dia, e não é companhia quando o sol nasce, que está ali, durante o dia, e que adormece aos sábados e domingos. Nem sempre é aquele que vemos quando acordamos e olhamos em volta.

    Para o filho, aquele olhar durão, meio que cobrando coisas, comportamentos, ritos de passagem de cultura. E se for aquela filha, não ter vergonha de ter ciúmes, de achar que será sempre o eterno enamorado, e guardar os olhares desconfiados para qualquer aventureiro que se aproxime daquela princesa que tem ao seu lado.

    Ser pai é encarar mudanças, daquele filho que imaginou e que agora está fora do que deseja. Ser pai é encarar as escolhas deles, mesmo que, internamente, se moa, para reconhecer a humanidade que o filho tem. O importante é que seja o ser pleno de humanidade e bondade onde esteja.

    A paternidade pode vir de qualquer lado. Hoje, as muitas paternidades estão mais visíveis. Tem pai de todo jeito: tem filho que vive com dois pais; tem pai que vem do outro lado: tem pai que vai para o outro lado, tem filho que tem duas mães, então o papel de pai está todo misturado.

    Tem pai que joga bola com seu garoto e tem pai, quando a mãe chega em casa, está vestido, calçado e maquiado pela filha estilista. Mas o sentido da paternidade não tem problemas de trânsito, é via de mão dupla, o que importa é amar e ser amado. Tenta se achar acima do bem e do mal, mas, no fundo, é tudo bobagem. Também chora, se desespera, e esconde fraquezas, porque é humano, bem sabe.

    Enfim, não vamos enxergar a paternidade como algo de macho. Ela tem muitos pertencimentos, e até mesmo na palavra paternidade tem o feminino do lado. Deus é pai porque julga, castiga e dá os conselhos. Então Deus também é mãe, porque faz isso tudo da mesma maneira. Logo, paternidade não tem nada a ver com o divino. Ser pai é ser humano, e aquele jeito meio sério é puro fingimento. Nessa bobagem de que alguém tem que dar o exemplo, ele vai sufocando e perdendo o jeito de dar e ganhar beijo no filho barbudo e homem feito.

    E quem ridiculariza aquele que do pai recebe o beijo, no fundo é um invejoso, porque não teve um pai beijoqueiro.

     Nilson Lattari é Escritor

    OFERECIMENTO

  • AMBIÇÃO – Nilson Lattari

    AMBIÇÃO – Nilson Lattari

    Um ambicioso é a essência da inventividade humana.

    A ambição é, antes de tudo, uma qualidade do homem. Sem ela, a Humanidade teria parado no tempo. Por isso, uma qualidade, algo a ser buscado sempre para atingir um fim. Para a ambição o impossível se torna possível, e aquilo que suponhamos estar lá, baseado na teoria, então deve estar lá e pode se tornar realidade.

    Nada pode deter a ambição, a não ser ela mesma.

    A ambição é um trator que o homem maneja, conduz, atropelando as dificuldades, e a coragem é um dos seus ingredientes. Para ser ambicioso, é necessário o destemor, o cálculo, a estratégia, e sem eles a ambição pode se tornar um desastre. Porque tudo que se quer, deve ser, minimamente calculado, organizado e pensado.

    O problema da ambição é a inveja. E a inveja do outro faz com que a ambição se torne inimiga, quando as coisas se misturam, e as ambições se tornam antagônicas. Lutar por coisas ambiciosas é um mérito, travar lutas por ambições, pretensamente paralelas, é um erro.

    Um ambicioso solitário é um perigo para si mesmo e para todos.

    O individualismo é um tipo de ambição que beira o perigo, porque ele se alia ao obscurantismo, à armadilha, à falsidade, porque o individualismo é a ambição que quer atingir os fins, não importam os meios. A ambição solitária é completamente diferente da ambição coletiva, quando ela envolve o conceito de riqueza. Existem vários tipos de ambições e a mais perigosa é aquela que objetiva o ganho, como uma espécie de trapaça que recai sobre o derrotado. Afinal, se alguém acumula algum tipo de riqueza material é porque ela foi retirada ou se impediu alguém de possuí-la, ela sai de algum lugar.

    A ambição pode ser medida? Ela pode ter um limite? Ela pode ter uma ética comportamental?

    Se a ambição pudesse ser controlada, com regimentos, ela seria benéfica. O problema é a ambição desmedida, aquela que segue um rumo aleatório, obedecendo, unicamente, aos desejos inconfessáveis de seu condutor.

    Politicamente, a ambição tem um contorno diferente. Porque ambicionar um tipo de sociedade, quando é preciso eliminar ou calar a outra possibilidade que tenta também provar que ela é possível de acontecer, é um sentimento de exclusão, de egoísmo.

    Algumas sociedades se estabelecem, politicamente, baseadas em conceitos materiais, outras não. A diferença está em que algumas ambições são desmedidas a ponto

    de não tentar encontrar pontos de confluência mas de separações, a ponto de se prepararem para guerras, com o objetivo único de ganho ou impor sua vontade.

    Cada homem e cada sociedade têm suas ambições, afeitas à cultura de seus povos, assim como os homens. Ambicionar é uma qualidade, ambicionar o que outro possui é demérito. Ambicionar juntos é um problema, quando alguns são estimulados a ambicionar, individualmente, iludindo que existe uma competição em igualdade de condições.

    A ambição, assim, é um paradoxo. Se a ambição é o crescimento individual ou coletivo, a questão são os princípios, são os meios. Alguns tentam o diálogo da convivência, outros tentam a troca de farpas.

    Se a ambição é a busca pelo impossível, ela mesma, sendo ambiciosa, é uma impossibilidade em si mesma. Porque se medida, é controlável, desmedida é o caos. Se a controlamos ela perde um pouco de sua mágica, e incontrolável se torna ditadora sobre outros. Logo, ambição é o encontro de contrários, e não existe nada mais ambicioso do que a concórdia.

     Nilson Lattari é Escritor

    OFERECIMENTO

  • ENCHER OS OLHOS – Nilson Lattari

    ENCHER OS OLHOS – Nilson Lattari

    Qual será a sensação de um bebê chegando ao mundo e abrindo os olhos, pela primeira vez? Por que não lembramos daquela sensação de poder olhar o mundo, como o viajante que chega dormindo em uma cidade, e de dentro do ônibus, do trem, da janela do avião encontra a cidade desconhecida, procurando identificar suas cores, o rosto de seus habitantes? Ouvir os sons que saem das lojas, do som das vozes das pessoas. Por que somos privados dessa lembrança, e ela não se perpetua em nossas mentes, como um cartão de visitas que recebemos?

    Não conheço ninguém que tenha essa lembrança. Como será possível isso?

    Terá sido a mesma sensação de quando enchemos nossos olhos com uma paisagem deslumbrante e cheia de cores? Parados, mudos de espanto, vendo a força de uma onda no meio do mar, dona e senhora da situação, a rodear o barco indefeso, brincando de morte e vida com os tripulantes? A sensação de poder abarcar tudo como um acessório da lembrança e das recordações de uma viagem?

    Chegar ao mundo é como desembarcar em um planeta desconhecido. E ouvir, pela primeira vez, aquele som doce e emocionado de uma voz inconfundível que vai acalentar nossas noites antes de dormir. E, também, de vozes ao redor, os olhares funcionando como lamparinas iluminadas e prenhes de emoção, debruçadas sobre aquele recém-chegado.

    A primeira vez que enchemos nossos olhos com a primeira visão do mundo deve ter sido turbada, cheia de névoa, imagens que tentavam se firmar, ganhar vida e contornos, ganhar nomes, apelidos, ganhar cores.

    Sons e cores são o que guardamos das viagens. E sendo a vida uma viagem, nos falta a parte em que a organizamos e a parte que lembramos dela. Até agora só guardamos a viagem que vamos vivendo e aprendendo. E ao aprendermos enchemos nossos olhos de reconhecimento pelo que entendemos e compreendemos. Somos uma planta vazia de uma casa a ser preenchida de cômodos, pelas recordações da nossa caminhada.

    Se partimos para uma viagem, retornamos ao mesmo lugar ou vamos morar em outro. Assim como se muda de cidade e porto.

    Em cada porto e em cada cidade, comemoramos com os olhos ávidos por ver, todas as cores e sons que nos chegam sem descanso. Porque o verdadeiro viajante não para, tão somente, e sempre continua até o outro ponto, para abastecer os olhos de outras cores, se extasiando com o campo e as montanhas, os mares e os céus abertos.

    É com os olhares que entendemos os outros, e pelos olhares nos comunicamos. Nos enchem os olhos a pessoa amada com as cores do seu corpo e os sons de seus encantos.

    Por que não lembramos de nosso primeiro encontro com a vida, com a beleza das cores sem saber seus nomes, sem compreender seus sons e saber que as suas diferenças podem nos trazer conforto ou desassossego?

    Quando enchemos nossos olhos com a beleza da paisagem ou do ser amado é porque antes nunca tínhamos visto nada igual e comparamos.

    Como podíamos nos surpreender com o mundo que conhecemos pela primeira vez se ele não tem nada de surpreendente, é apenas uma luz que se acende não se sabe onde e entendemos que antes dela não há nada vivido para comparar? Talvez, por isso, não lembramos dela. E para onde vão as lembranças vividas e guardadas no enxergar profundo do mundo que vivemos?

    Se o apagar das luzes acontece num repente, e vai acontecer, sem sabermos quando, é porque temos que comparar o possível acender de novas luzes com aquilo que deixamos. Porque um novo mundo começa quando o bom viajante abandona pelo caminho tudo aquilo que não importa, para continuar enchendo os olhos e viajando.

     Nilson Lattari é Escritor

    OFERECIMENTO