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Três Pontas comemora os seus 159 anos de emancipação político-administrativa. Uma cidade mundialmente conhecida por sua produção cafeeira e pela música de Milton, Wagner e tantos outros. Mas a celebração nos remete a uma reflexão. É o que tentarei fazer aqui, mostrando que as pontas estão cada vez mais afiadas…
A primeira ponta afiada nos mostra que a política continua por aqui sendo vista e praticada de uma forma viril, exacerbada, exagerada e na maioria das vezes individualista. São, em sua história recente, dois grupos, duas correntes que buscam, com a faca nos dentes, se manter ou voltar ao poder. É a busca desenfreada pelo poder. E nem sempre para poder beneficiar os 56 mil e poucos “inquilinos desta grande casa”.
O nível tem se mostrado cada vez mais baixo, com ataques pessoais, publicações jogadas ao vento nas caladas das madrugadas atingindo até a honra e a moral de um adversário (que não deveria ser visto como inimigo). Acusações e muita falação pra tão pouca ação. E estamos às portas de mais uma eleição. Tudo caminha pra uma disputa pesada, tensa. Uma verdadeira guerra. Principalmente se os rumores de que o atual prefeito poderá ter como concorrente o próprio irmão (desafeto declarado) na função de vice-prefeito na corrida eleitoral. Aí a briga que é sempre de “cachorro grande” também poderá se tornar uma grande briga pública de família. Já pensou? É, de fato a ponta está afiada!
Quando um grupo deixa o poder, a cadeira, os salários, as mamatas e também os bons serviços prestados, o outro, que fazia uma oposição dura, muitas vezes caolha e desnorteada, reassume o posto, desfaz, desdenha ou abandona tudo que foi conseguido e, principalmente, aquilo que ainda está no tijolo. Ah, você perdeu isso, deixou ir embora aquilo outro, etc, etc. etc.
A política que nos mostra, dentre outras características, feia, o fato do último (quarto) ano de mandato ser sempre o das realizações (mais por interesse eleitoreiro e menos pelo pensamento progressista), precisa voltar a ser de fato e de direito pelo povo, para o povo e com o povo. Sem egos. O tal ego é um tumor maligno na política trespontana e precisa urgentemente ser extirpado. Já quem paga tributos, salários e a grande conta é sempre o povo.
A segunda ponta altamente cortante nos mostra que aquela cidade pacata, interiorana e bucólica, que nos permitia trabalhar sem receio, sair a noite sem medo, deixar o carro aberto e com a chave no contato, não existe mais. A necessidade de se expandir, de crescer, alcançar os avanços dos municípios de médio e de grande porte trouxe um lado negro: a violência. Hoje em dia a criminalidade está atuando 24 horas por dia, sete dias por semana em Três Pontas. Nada escapa, ninguém está de fato protegido, nem os mortos. Até o cemitério tem sido alvo da ação de bandidos. Roubam carros, casas, motos, empresas, pessoas, etc. Roubam tudo, até a nossa sagrada paz.
Nessa ponta relatada que mostra a necessidade de mais segurança, muito mais segurança, há também algumas ramificações. Urgências fundamentais, como mais saúde, educação e emprego. Faltam médicos, falta unidade de saúde, falta apoio aos Anjos Socorristas Voluntários, falta verba, falta boa vontade, talvez. Nossa educação clama por melhoria. Tá certo que reconheçamos e louvemos e vinda da FATEPS (Grupo Unis) que nos colocou em outro patamar. Mas faltam professores, remuneração descente, tranquilidade pra eles lecionarem. Faltam vagas em creches. E como se não bastasse ainda temos que assistir, estupefatos, quatro marginais mirins “tocarem o terror”, atearem fogo no Estadual, na educação, em parte fundamental de nossa história. Nem o Ginásio São Luís escapou…
Essas faltas não são de hoje, foi sempre assim. Mas esses excessos, como a violência que chega às salas de aula é novidade.
E empregos minha gente? Muitos ainda recorrem à Varginha. Pegam essa rodovia da morte todo santo dia. A tal terceira faixa só ganha força em épocas eleitoreiras. Vão e vem em busca do pão e do conhecimento. Muitos ficam pelo caminho, adubando o asfalto da MG 167 com o próprio sangue. O café continua sendo vital, mas a mecanização e as dificuldades econômicas do país não deixam que novas vagas na lavoura se abram abundantemente. A dependência do café, como continua existindo nos dias de hoje, é cruel. Em épocas de colheita o dinheiro circula um pouco mais. O comércio respira. Fora dela, é arrocho. Temos tanto pra crescer, quantas possibilidades que não são aproveitadas devidamente. Gerar emprego aqui já é uma questão humanitária, um resgate da dignidade de muitos pais de família e de jovens que anseiam pelo primeiro emprego, fugindo do lado b, o lado marginal dos becos escuros onde explode a violência.
Mas somos um povo de esperança, talento e de fé.
Por isso a terceira ponta, o fio da navalha, nos mostra ainda um povo religioso, que se agarra na figura de Padre Victor, seu Anjo Tutelar.
O trespontano é, por si só, solidário. Gosta de ajudar, estender a mão e servir um bom café com pão de queijo. Gosta de contar seus “causos” e só peca quando se mete demais na vida do outro, defeito comum nas pequenas cidades onde o umbigo alheio salta pela língua áspera e ganha contornos de fofoca nas esquinas e rodas de conversa.
Temos no DNA o talento. Talento dos artesãos, dos artistas em várias esferas e, principalmente, na música. Ah como a música nos faz bem, fala bem de nós lá fora. Nos representa dignamente nas vozes de Bituca, Wagner e tantos outros.
Três Pontas é uma cidade linda, muitas belezas naturais, igrejas majestosas, gente lutadora, comércio forte, bares aconchegantes. Um município encantador que nos fascina a cada dia.
Enfim, na celebração dos 159 anos, contados como ninguém pelo historiador Paulo Costa Campos (que merece nosso reconhecimento), percebemos sim que as três pontas da lâmina estão afiadíssimas. Mas que se corte apenas o que é ruim: a inveja, o ódio, a maledicência e a hipocrisia. Já os sonhos, a bondade, o progresso e os sorrisos brotem a cada dia. Brilhem no céu por trás daquela serra.
E que a felicidade extrema seja hoje, apenas, a ponta do iceberg.
Roger Campos