Rio outrora doce, belamente cantado pelo compositor e poeta mineiro Zé Geraldo, hoje amargo pela ação de indesejáveis dejetos químicos letais e devastadores.
Seus pobres seres habitantes, como peixes, mariscos e moluscos, condenados à extinção por metais pesados, cancerígenos, venenosos, destrutivos.
Nunca mais é uma expressão lacônica, a que os homens deveriam se acostumar. Nunca mais à pulcritude das águas caudalosas e saudáveis. Nunca mais à maviosidade do cântico da imensidão dos pássaros livres. Nunca mais aos sentimentos nobres da conservação, por reverência ao Criador, que a todos presenteou com matizes e colorações de beleza incomparável.
O que pode ser feito para reparar o que é desgraçadamente irreparável? Quando? Como?
Os danos causados são eternos, pois estarão entranhados na história do Distrito de Bento Rodrigues e Mariana (MG), como página fétida do descaso humano ante o dever de preservar sua própria estrutura existencial.
Sessenta bilhões de litros de rejeitos de mineração de ferro – o equivalente a 24 mil piscinas olímpicas – foram despejados ao longo de mais de 500 km na bacia do Rio Doce, a quinta maior do país.
Segundo ecólogos, geofísicos e gestores ambientais podem levar décadas, ou mesmo séculos, para que os prejuízos ambientais sejam revertidos.
Destruídos pelo ‘tsunami marrom’, que deixou dezenas de mortos e 15 desaparecidos, os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo devem se transformar em desertos de lama.
“Esse resíduo de mineração é infértil porque não tem matéria orgânica. Nada nasce ali. É como plantar na areia da praia de Copacabana”, diz Maurício Ehrlich, professor de geotecnia da Coppe-UFRJ (centro de pesquisa em engenharia da Federal do Rio).
“Nada se constrói ali também porque é um material mole, que não oferece resistência. Vai virar um deserto de lama, que demorará dezenas de anos para secar”, diz.
Segundo ele, a reconstituição do solo pode levar “até centenas de anos, que é a escala geológica para a formação de um novo solo”.
Transformado em uma correnteza espessa de terra e areia, o Rio Doce não pode ter sua água captada. O abastecimento foi suspenso, e cerca de 500 mil pessoas estão com as torneiras secas.
Especialistas que conhecem a região descrevem o cenário como “assustador”.
Para Marcus Vinicius Polignano, presidente do Comitê de Bacia do Rio das Velhas e professor da UFMG (Federal de Minas Gerais), um dos mais graves efeitos do despejo do rejeito nas águas é o assoreamento de rios e riachos, que ficam mais rasos e têm seus cursos alterados pelo aumento do volume de sedimentos, no caso, de lama. “É algo irreversível. Fala-se em remediação, mas, no caso da lama nos rios, não existe isso. Não tem como retirá-la de lá”.
Enquanto está em suspensão no rio, a lama impede a entrada de luz solar e a oxigenação da água, além de alterar seu pH, o que sufoca peixes e outros animais aquáticos. A força da lama ainda arrastou a mata ciliar, que tem função ecológica de dar proteção ao rio.
“A perda da biodiversidade pode demorar décadas para ser reestabelecida. E isso ainda vai depender de programas montados para esse fim”, diz Ricardo Coelho, ecólogo da UFMG. “Existe ainda a possibilidade de espécies endêmicas [que existem só naquela região] serem extintas”.
“Há espécies animais e vegetais ali que podemos considerar extintas a partir de hoje”, diz o biólogo e pesquisador André Ruschi, diretor de uma das mais antigas instituições de pesquisa ambiental no país, a Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi.
Ele chama a atenção para o fato de que o rompimento das barragens coincidiu com o período de reprodução de várias espécies de peixes. “É o maior desastre ambiental da história do país”, avalia.
Mariana entra para a história como uma “ferida aberta”, diz Polignano. “É a prova de que nossa gestão ambiental está falida”.
Esse é o retrato de um desafortunado tempo, que se aproxima de seu desfecho. Tudo obedece, compassadamente, ao destempero da arritmia dos atos desvairados, que caminham em paralelo: megainflação, desatinos, terrorismo, mortandade.
O mundo negligencia as regras do Criador Supremo e isto tem um preço: o abismo.
ATÉ A PRÓXIMA!!!
*O articulista deste segmento é José Maurício Girardelli Lopes, advogado, radialista e jornalista.
Trajetória profissional: Rádio Três Pontas A.M., Rádio Cultura de Alfenas, EPTV Sul de Minas.