Projeto está em estágio embrionário, mas a Gullane, responsável pela empreitada, aventa que longa pode estrear em 2023

O fã que acompanha a vida de Milton Nascimento para além da potência de sua produção musical sabe que a relação do cantor e compositor com a sétima arte não pleiteia menos que o adjetivo “visceral”. Não raro, este mineiro, trespontano de coração, cita “Jules e Jim” (1962), de François Truffaut (1932-1984), como um dos filmes basilares de sua formação cultural. As páginas biográficas dedicadas ao artista contam que foi no dia em que, junto a Marcio Borges, assistiu à produção francesa em várias sessões seguidas, se apaixonando por Jeanne Moreau, é que decidiu que seria compositor e músico profissional. Passados 20 anos daquele marco, lá estava Milton, participando de “Fitzcarraldo”, de Werner Herzog. A amizade com River Phoenix também consta dos vários capítulos da vida de Milton ligados ao cinema.

A novidade é que o novo flerte deve ter como fruto uma produção que levará um recorte temporal da vida de Bituca à tela grande. A notícia foi dada em primeira mão na semana passada pelo próprio artista, em seu perfil no Instagram, onde revelou o contrato assinado com a Gullane para tal fim. A parceria já havia sido testada com absoluto sucesso na série “Milton e o Clube da Esquina”, que atualmente pode ser conferida no streaming da Globoplay e no Canal Brasil. “O cinema sempre foi a minha vida. Se comecei a compor por causa de ‘Jules e Jim’, ao longo da minha carreira, trabalhei em muitos filmes, seja como compositor, cantando nas trilhas.. Até como ator, já participei, e em vários longas. Então, saber que a minha própria história vai virar filme é uma coisa que traz um sentimento de muita satisfação. Mais um grande sonho que se realiza”, conta Milton Nascimento.

Filho do artista, Augusto Kesrouani Nascimento adiciona: “Na verdade, eu já pensava nesta ideia há algum tempo, porque realmente acho que história dele merece isso. É uma trajetória muito rica, muito cheia de acontecimentos… A forma como ele desenvolveu a musicalidade, na infância, e depois, na vida adulta, os encontros que teve na vida, a forma como isso foi levando a música dele para o mundo e fazendo ele chegar aonde chegou. E, além disso,  ele é um apaixonado por audiovisual. Tudo isso me fazia ter vontade de ver a vida dele se transformar em filme, e a ideia amadureceu e se concretizou na primeira reunião que tive com o Fabiano Gullane para falar sobre o documentário ‘Milton e o Clube da Esquina’, de 2018. Ali, ele deixou claro que queria fazer o filme e eu, que era algo que também tinha total vontade e disponibilidade para desenvolver com ele e dar sequência. Ou seja, uma ideia antiga que tomou forças graças ao Fabiano e à Gullane”.

Augusto salienta, ainda, a importância de esta empreitada se concretizar com o artista em vida. “Geralmente, muitos desses filmes (cinebiografias) acabam sendo homenagens póstumas, e eu queria que ele visse isso. Já que é tão apaixonado por cinema, que possa assistir à própria história, sabe? Se divertir, se emocionar… Enfim, curtir esse momento que é dele. Essa é a base de tudo, que ele receba essa homenagem e desfrute dela”.

Fabiano Gullane, um dos nomes à frente da produtora, confirma que a série foi o embrião de tudo. “A gente acabou de ter essa experiência muito bonita, com esse programa, uma visita do próprio Milton às composições mais importantes do Clube da Esquina I e II. E a série foi propositadamente um mergulho que a gente fez juntos, combinados, para realmente se enfronhar neste universo das histórias, das memórias, das lembranças, para a gente se inspirar e recolher esse material, para começar a descobrir com qual recorte a gente vai contar a história de um dos maiores ídolos da música brasileira, da composição, da poesia brasileira, do intérprete. A gente achou que fazia muito sentido, já que a série documental deu tão certo, ser hora de a gente partir para filme”.

Fabiano lembra que a produtora tem os direitos do livro “Os Sonhos  não Envelhecem”, de Marcio Borges, “que resume essa fase tão importante da vida cultural mineira, brasileira e do mundo”. No entanto, a ideia é que seja um roteiro original. “A gente não pretende fazer um recorte muito longo, ao menos nesse primeiro filme – porque pode ser que (essa iniciativa) tenha outros formatos no futuro. O importante é que ele realmente consiga expressar o estilo, a força e o talento do Milton, que transbordou as fronteiras do Brasil e conquistou o mundo inteiro. Essa poesia da música do Milton, do Lô (Borges), do Marcinho (Borges), do Ronaldo (Bastos), do Fernando (Brant) e de todos os demais  ali que a gente também tenta conseguir no cinema”.

O produtor, porém, pontua que o processo está apenas começando. “A gente está falando do embrião de uma gênese. Vamos partir de uma história muito linda – real, viva, super importante – amparados pelo livro do Marcinho, com a participação do próprio Milton e do Augustinho Nascimento, que são partes integrantes desse projeto, e, nos próximos meses,  tudo vai estar concentrado em criação, na busca para achar essa história, como vai ser contada a história do Milton, do Clube da Esquina, de que forma levar essa história para o cinema, e, quem sabe, estarmos prontos para produzir no final do ano que vem, para lançar em 2023. São ainda suposições, pois, claro, tudo vai depender também da pandemia”.

Augusto conta que ele e Milton estão totalmente abertos às propostas e ideias de roteiro. “Claro, provavelmente meu pai vai querer estar por perto, dar opinião e, eventualmente, até sugerir alterações no que achar que não condiz com a realidade da vida dele, mas a gente entede que eles (da Gullane) são totalmente capazes, superprofissionais. O que eles propuserem vai ser totalmente bem vindo”. Sobre nomes, ele também prefere não opinar. “O mercado audiovisual brasileiro é riquíssimo, temos profissionais maravilhosos, roteiristas, atores incríveis. A gente está esperando as sugestões da Gullane. Esse processo está vindo mais por parte deles, mas com certeza vamos ter profissionais incríveis aí, fazendo parte dessa iniciativa com a gente”.

E Milton pode aparecer na tela, ao menos em uma participação especial? “Olha… Essa ideia nunca tinha sido levantada, mas é provável que ele queira aparecer, sim (risos). Ele gosta demais de fazer filmes, novelas. No caso de ‘Fitzcaraldo’, que é um clássico, ele gosta que todo mundo assista à participação dele”.

Fonte O Tempo

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Roger Campos

Jornalista

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