Tag: Nilson Lattari

  • VALENTE – Por NIlson Lattari

    VALENTE – Por NIlson Lattari

    Duas imagens me marcaram muito recentemente; as duas acima. Em países distantes, em hemisférios contrários, língua e cultura diferente, as mensagens exortam à valentia. A valentia contra inimigos poderosos, um uma força armada, ostensiva, outra uma força também poderosa, oculta. Ambas, no entanto, atrás de um balcão, de negócios, como se fundam as forças que obrigam as pessoas a serem valentes e não a viver simplesmente suas vidas comuns.

    Por trás da expressão apreensiva, até a expressão raivosa, uma amputação obriga as duas a lutarem. Por que não ser livre simplesmente ao se dirigir para casa, ou por que não ser livre simplesmente para respeitarem a casa onde se vive, onde nasceu?

    O dilema segue a toda força quando andar pelas ruas é tão perigoso quanto andar  pelo seu país. Medo do assaltante, do preconceituoso ou do misógino que nos agridem por uma sobrevivência, ou por seus ódios; quanto ao medo de um semelhante que acha que o outro tem que sobreviver de acordo com o seu modo de viver, por suposta sobrevivência, ou também por ódio. Dois seres que vivem confinados em pequenos espaços, pelo simples fato de serem, estarem e existirem ali.

    Até quando será necessária a valentia para conseguir coisas básicas? Fadil Abul Selmi morreu lutando com pedras, mesmo que sem as pernas para impulsioná-las, apenas a força do seu próprio corpo. Ao mesmo tempo, uma mulher desconhecida ostenta sua expressão agarrada a um cartaz que diz tudo, a própria condição de ser mulher e poder se dirigir, livremente, a caminho de casa.

    Devem existir horas em que ser valente cansa, ou o valente está simplesmente cansado de se imiscuir dos problemas, portanto, um valente é cansado sempre, mesmo quando caminha até sua casa, ou roda suas pernas até ela, em tempos de paz, ou em tempos de guerra.

    O que fica marcada é a valentia, a coragem. O que podem fazer cartazes empunhados em uma “calle” qualquer do mundo, e as pequenas pedras lançadas em uma funda bíblica em uma terra pedregosa e deserta? Para que se luta, ou até mesmo, por que temos que lutar por coisas que são básicas?

    O que falta para que nós possamos viver simplesmente?

    Resolvo trazer as valentias dos que enfrentam as forças policiais ou econômicas para o enfrentamento e a valentia do cotidiano. O que nos impede de fazer as pequenas coisas que nos dão prazer? Responsabilidades? Talvez sim. Mas a responsabilidade para com o outro, para com nosso ambiente tem um limite. Até quando precisamos tirar a liberdade de poder caminhar livre até os nossos desejos, realmente separando o que achamos que é profundamente necessário, e aquilo que pode ficar para depois, mais tarde, em troca de um pequeno prazer no dia a dia, até que as coisas consertem por elas mesmas. Os cartazes nas ruas exprimem nosso desassossego, mas não resolvem nada, as pedras, mesmo que atiradas com raiva, não resolvem os problemas. Se aqueles dois seres são capazes de serem valentes nos enfrentamentos, a valentia de romper com pequenas coisas deve ser mais fácil, ou nossa covardia é bem maior do que pensamos.

     

    Nilson Lattari

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  • ENTRE O CÁLICE E O LÁBIO por Nilson Lattari

    ENTRE O CÁLICE E O LÁBIO por Nilson Lattari

    Paladas de Alexandria disse que “Muita coisa acontece entre o cálice e o lábio”. Com esse pensamento a primeira coisa que me ocorreu foi o universo poético entre o cálice e o lábio: a chegada de um vidro fino, o toque, a vinda não de um copo, mas, de um cálice, que conserva na sua palavra algo doce, fino, elegante, e que pode transportar desde a bebida mais simples, ao amargo do veneno, ou ser o calar de uma boca.

    Esse espaço pode ser o início da celebração de uma alegria, de uma vitória, de uma data, um evento qualquer que traga alegria àquele que vai começar a beber. Pode também traduzir o infortúnio, a desgraça, o desafogo de esperanças, a perda de um amor, irremediavelmente. Pode ser o veneno que vai dar fim a uma vida inteira, repleta de desilusões para consigo mesma e parar com o mundo. A bebida e o cálice são do alcoólatra, do suicida, do refinado, sem distinção.

    Esse espaço poético é grandioso e ao mesmo tempo assustador. Da sua imagem somente o contorno do cálice e a boca se abrindo para receber o seu líquido. Como uma dupla inseparável, pronta para lutar, ambos, pelo seu espaço na poesia. Ao cálice, a tarefa de erguer um brinde, de ser beijado pela boca seca e ardente do beberrão, do alpinista social, ou simplesmente de alguém de bem com a vida e mais nada a desejar deste mundo, confortavelmente sentado em frente a uma lareira, um alpendre, a deixar a imaginação viajar pelo nada.

    Também este cálice esteve a serviço do Mestre. Envolto, simbolicamente, na atitude e na dúvida do Filho de Deus diante da missão a ser cumprida. Em um último apelo Ele pede que aquele cálice se afaste da Sua boca e Ele possa evitar a Sua entrega em nome de outros, recusando-se a manter o Seu destino e, em determinado momento, se revoltar diante dele.

    A Este lábio se juntou um cálice, um calar-se, como um grito de dor e de angústia, quando vivemos as duras penas de um regime militar, que o cantor eternizou em sua letra, pedindo ao mesmo Pai que Ele afastasse dali aquele medonho compromisso de lutar pela liberdade civil de muitos, de beber a bebida amarga do infortúnio.

    Enfim, muitas coisas acontecem no pequeno espaço que se espreme entre o cálice e o lábio. Poeticamente perfeito, por menor que seja, encerra uma musicalidade insuperável.

    Aos poetas é dado beber de um cálice, onde se inspiram para as realizações. Ao criador de histórias, um cálice vale mais do que muitas fortunas. É bebendo um líquido afogueado, ou adocicado de um belo vinho, que a inspiração finalmente venha até os lábios e se transforme, pelas mãos do artista, evoluindo de um calar-se para um falar interminável.

     

    Nilson Lattari

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  • O CERTO, O ERRADO E O DIVERTIDO por Nilson Lattari

    O CERTO, O ERRADO E O DIVERTIDO por Nilson Lattari

              Acostumamos a dividir a vida entre o certo e o errado, esquecendo, os legisladores dos caminhos, aquilo que seria o certo ou aquilo que seria o errado. Homens de bem, e mulheres também, optam por definir uma atitude correta para que a sociedade siga o bom caminho. Resta definir o que seria um homem ou uma mulher de bem, e depois de conseguir tal conclusão, entregar a eles a definição do certo e do errado.

    Que coisa desgastante, definir em boas e bem traçadas linhas o que seria o certo e o que seria o errado! No meio do caminho, ou no fim dele, aparecem, simplesmente, aqueles que querem se divertir.

    Uma diversão é um acordo entre duas partes, desde que transgrida todas as leis, escondam-se entre quatro paredes, e definam entre si o que seria o certo e o errado de cada um. Diversão é fazer coisas certas ou erradas, em um perfeito casamento de interesses, no caso, divertimento.

    Temos o caso do casal que saiu fantasiado no carnaval, levando no ombro um filho fazendo as vezes do fiel amigo do Aladim. No caso, eles não estavam pensando no certo ou errado, estavam apenas querendo se divertir. Mas, fora das quatro paredes, o divertimento foi tachado de racismo.

    Bonnie e Clyde optaram por se divertir fazendo tudo errado, ou certo para eles, que queriam se divertir, e ao que tudo indica, fora das quatro paredes, deu tudo errado.

    Mas fazer a coisa errada, mesmo que pareça certa, recebe punição. O divertimento de alguns pode ser transgressão para outros, mesmo que lá no fundo estejam procurando a pessoa certa para fazer coisas erradas, e no fundo à procura de diversão.

    Esta diversão pode ser simplesmente dar asas ao instinto, e o que poderia haver de errado em duas pessoas querendo se divertir, e arcando com as consequências dos seus atos?

    Há limites para a diversão? Creio que sim. Afinal, a diversão de alguns não pode ser a tragédia para outros. E aí entramos na inserção daquilo que é certo, errado ou diversão.

    Muitos brigam por aquilo que acham certo, e como oponentes aqueles que lutam pelo errado como se fosse o certo. Nunca vão se divertir, mas eternamente brigarão.

    Na verdade, nada que existe pode ser certo ou errado, mas a diversão é o melhor caminho, entre muros, até porque uma boa chacoalhada na caretice da sociedade parece ser uma coisa divertida. O que estraga é a falta de esportividade.

    O consenso em fazer a coisa certa, muitas vezes valida o errado. Mas, o consenso em fazer a coisa errada não leva àquilo que é certo. Menos policiamento sobre a vida alheia facilita a diversão, diversão que causa inveja, muitas vezes, por aqueles que não acharam o par certo para, simplesmente, poder se divertir.

     

    Nilson Lattari

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  • “NEM TODA MENINA QUER SER BAILARINA” por NILSON LATTARI

    “NEM TODA MENINA QUER SER BAILARINA” por NILSON LATTARI

    Às vezes, ou muitas vezes, quer jogar futebol ou soltar pipas. E nem todos os meninos querem ser alpinistas, alguns querem ser cozinheiros, costureiros ou querem ser, simplesmente, um artista.

    Nem todos querem aceitar o futuro provável. As meninas gostariam de poder sair pelo mundo, e não, virar a atração turística das visitas, e o olhar orgulhoso do pai na sua filha prendada, e nem mesmo os homens serem sempre aqueles que entram sujos em casa, depois de uma briga ou de uma pelada bem enrascada, para orgulho da mãe que vê aquelas coisas de homem nas suas faces rosadas.

    Na vida quanto que se quer porque outra coisa não se pode ser, e quanto que se pode, e não se tem, porque não vão querer os pais, os amigos, os vizinhos, as tias e os tios desejando tanto: então, como podem ser o filho médico, a filha engenheira, ou o filho caseiro e a filha aventureira?

    Mulher é aquela que deve estar sempre dentro da caixa, e o homem aquele que sai dela e busca a aventura. Ou aquela que mantém os pés firmes no chão e, por vezes salteia, como a bailarina toda faceira. Ou aquele que deixa os pés irrequietos levá-lo até onde possam ir por vezes se aquieta, como a força e proteção que deve sempre na casa existir.

    Nem todos querem aceitar aquele projeto definido pelo patriarcado, nem todos querem seguir o projeto grandioso do pai, até porque o projeto é dele, aquele que construiu, e, portanto, quem pariu Mateus que o embale. E nem mesmo a mulher quer aceitar o projeto futuro de mãe, pode muito bem não sê-la e seguir a vida por outro caminho, abraçando outros filhos, frutos de projetos pensados, de mundos a descobrir, no imenso globo espalhados.

    Nem toda mulher quer ser bailarina de corpo e dança, mas a sair saltitando pelo mundo atrás de um sonho qualquer. Nem todo homem quer a aventura, mas apenas sentar em algum canto e ver o mundo passar devagar, e sem se importar para onde ele vai.

    Nem todo futuro provável é bom para alguém, porque o grande mistério da vida é ser improvável. É como se falar em liberdade, até que se conheça alguém, realmente, livre.

    Conhecendo a liberdade, talvez a bailarina volte de vez para o regaço, mas trazendo um outro tipo de dança, sem as marcações que definiram para fazer. Nem todo alpinista retorna disposto a subir por lugares íngremes, tentando tocar o céu, mas escalando as pautas de uma música, se agarrando às notas que estão ali penduradas.

    Nem todo alguém quer ser alguma coisa que definiram para ele. Nem todo alguém quer ter exatamente aquilo que pensam para ele, nem todo alguém faz as coisas determinadas para ser, mas, talvez, as faça de uma maneira diferente de ser, sendo levado pelas mãos de uma bailarina interna, que não para de dançar, ou por um alpinista que chega exausto ao cume, sem se preocupar em sair do lugar em que está.

    O Autor

    Nilson Lattari é carioca e atualmente morando em Juiz de Fora (MG). Escritor e blogueiro no site www.nilsonlattari.com.br e facebook/blogdonilsonlattari. Vencedor duas vezes no Prêmio UFF de Literatura 2011 e 2014 e Prêmio Darcy Ribeiro – Ribeirão Preto e, 2014. Finalista em livro de contos no Prêmio SESC de Literatura 2013 e em romance no Prêmio Rio de Literatura 2016. Menções honrosas em crônicas, contos e poesias. Foi operador financeiro, mas lidar com números não é o mesmo que lidar com palavras. Ambos levam ao infinito, porém em veículos diferentes. As palavras, no entanto, são as únicas que podem se valer da imaginação para um universo inexato e sem explicação.

    Agora também é colunista do Conexão Três Pontas.

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