O “woodstock mineiro”, realizado na Fazenda Pedra Negra, reuniu cerca de duas mil pessoas em shows de Lô Borges, Wagner Tiso, Beto Guedes, Azymuth, Francis Hime, Daniel Gonzaga, Nelson Ângelo, Marginália, Compasso Lunnar e Frederah

O cenário não poderia ser mais condizente com a cultura mineira – um majestoso casarão do século 19 cercado por montanhas e cafezais sem fim. E o terreiro de café a sua frente converteu-se como por encanto em palco para alguns dos principais frutos que a música do estado e do país já produziu. No último dia 12 de agosto, o Festival Feira Moderna virou realidade em Três Pontas, mesma cidade que há 40 anos colocava seu nome no circuito nacional – e por que não internacional – com o Show do Paraíso, promovido por Milton Nascimento ao lado de amigos do quilate de Chico Buarque, Gonzaguinha e Clementina de Jesus.

E mais uma vez a charmosa cidade do sul de Minas virou rota para fanáticos por música, que aportavam de diversos pontos do Brasil, como Salvador, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, para prestigiar algumas estrelas que estiveram exatamente naquele show de 1977, além de nomes da atual e rica cena sul-mineira. Famílias, casais, turmas de amigos e pessoas de todas as idades e estilos chegavam ao local no início da tarde num entusiasmo radiante que se refletia em roupas coloridas, cangas e acessórios setentistas. Sim, elas estavam no woodstock mineiro!

Os trabalhos sonoros foram abertos pela banda Marginália, mostrando ao público como a veia artística de Três Pontas está em constante renovação, incluindo uma bonita homenagem a Luiz Melodia. Na sequência, o trio Azymuth (Alex Malheiros, Ivan Conti “Mamão” e Kiko Continentino) elevou ainda mais a temperatura do local com um som eletrizante, fazendo jus à fama internacional do grupo. Dando sequência ao festival, quem ocupou o palco foi Daniel Gonzaga, que passeou por gêneros diversos como reggae, baião e MPB, relembrando a memória do avô Gonzagão e sobretudo do pai Gonzaguinha, com direito a uma participação do guitarrista Frederah, que acompanhou o autor de “Explode Coração” por anos.

A tarde já caía quando Nelson Ângelo relembrou temas como “Canoa, Canoa” e “Testamento”, clássicos do Clube da Esquina, com banda formada por excepcionais instrumentistas: Esdra Neném (bateria), Enéias Xavier (teclados), Beto Lopes (baixo) e Bárbara Barcellos nos vocais, além do renomado Marco Lôbo, que deu de brinde aos presentes um hipnótico solo de percussão. E já era noite quando o público parecia não acreditar que subia ao palco um nome que se confunde com a própria história da música brasileira: Francis Hime. Sozinho ao piano, desfilou temas de sua lavra como “Vai Passar”, “A Noiva da Cidade” e “Pixote” – parcerias com Chico Buarque -, cantados a plenos pulmões por centenas de pessoas na pista e camarote.

E o rock enfim fincou pé no woodstock mineiro quando o Compasso Lunnar deu as caras, destilando sua música autoral com arranjos vocais e qualidade instrumental em diálogo com gêneros diversos como rock e samba. Momento visceral também foi vivenciado com interpretação de “Lilia” (de Milton Nascimento) e “Armina” (de Wagner Tiso), esta já com a guitarra lisérgica de Frederah, autor do tema de encerramento da participação da banda, acompanhado pela plateia: “Sábado eu voouu..” E o sábado avançava quando um dos artistas mais queridos do Clube da Esquina e da MPB pisou no palco, entoando hinos como “Sal da Terra”, “Paisagem da Janela”, “Lumiar” e o clássico que dá nome ao festival: “Feira Moderna”. Beto Guedes, que faria aniversário no dia seguinte, domingo Dia dos Pais, proporcionou um espetáculo inesquecível ao lado do filho Ian e banda.

Outro hino ganhou os ares do woodstock mineiro na apresentação do trespontano Wagner Tiso, que convidou o sobrinho Paulo Francisco Tutuca para juntos relembrarem o hino das Diretas Já, “Coração de Estudante”, composta em parceria com Milton Nascimento – o momento foi um dos mais emocionantes de todo festival. Na sequência, o pianista, maestro e arranjador mostrou sua desenvoltura e talento, indo do erudito e jazz ao popular em temas de Villa-Lobos, Tom Jobim, Jacob do Bandolim e outros autorais, ao lado dos exímios instrumentistas Márcio Mallard (violoncelo) e Victor Biglione (guitarra). O concerto, em meio à madrugada trespontana sob a luz da lua, certamente não será esquecido por aqueles que lá estiveram.

E mais de dez horas depois do início do primeiro show do festival, lá estava o público colado ao palco ávido ainda por receber outra estrela da noite: Lô Borges. O Feira Moderna teve o privilégio de contar com a turnê do “Disco do Tênis”, pérola composta em 1972 pelo artista, com canções de grande originalidade, remetendo a uma paisagem de sonhos. A minuciosa recriação do trabalho ainda deu lugar a temas compostos por Lô no mesmo ano para o Clube da Esquina, nada menos que “Um girassol da cor dos seus cabelos” e “Trem azul”, dentre outras. A música brasileira de ontem e hoje estava mais viva do que nunca no coração de Minas Gerais quando o festival se encerrava.

O projeto audacioso, que transformou uma utopia em realidade em tempos difíceis para a cultura do país, foi conduzido com garra pela Gesto Produtora. “Agradecemos a todos que se empenharam bravamente nisso, a todos músicos e ao público que se deslocou de diversas partes do país para fazer parte desta celebração. Certamente foi escrita hoje mais uma página da relação profunda entre a música brasileira e a cidade de Três Pontas no último meio século”, afirma Aryanne Ribeiro, produtora do festival. Segundo a idealizadora deste woodstock mineiro, Ixa Veiga, a empreitada foi resultado de um longo empenho e que promete deixar seus frutos. “O sonho se realizou. O sonho de uma vida, idealizado por mais de um ano e que contou com mais de seis meses de produção. Ainda não acredito. Vida longa ao Feira Moderna e que os sonhos jamais envelheçam!”

Fonte João Marcos Veiga

 

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Roger Campos

Jornalista

(MTB 09816)

 

 

 

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