CIDADÃO, ENTENDA O SEU DIREITO!
Imagine a seguinte situação hipotética tão comum nos dias de hoje: Seu carro estava apresentando determinado problema mecânico. Em virtude disso, você resolve deixar seu veículo para conserto na oficina. Feito o conserto, o gerente da oficina liga para você avisando que seu automóvel está pronto. Ao pegar seu carro, você diz para o gerente da oficina que gostaria de pagar pelo conserto somente no mês seguinte, considerando que no momento estava sem dinheiro. Contudo, o gerente não concorda com a sua proposta, afirmando que somente devolveria o veículo após o pagamento do serviço, e que enquanto isso, seu carro ficaria retido na oficina.
A oficina poderia ter feito isso? É possível reter o veículo de outrem até que haja o pagamento do serviço?
NÃO. Oficina mecânica que realiza reparos em veículo, com autorização do proprietário, não pode reter o bem por falta de pagamento do serviço, conforme entendimento consolidade do STJ – 3ª Turma. REsp 1.628.385-ES, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/8/2017.
O direito de retenção encontra-se previsto no art. 1.219 do Código Civil:
Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.
O direito de retenção é uma das raras hipóteses de autotutela permitidas no ordenamento jurídico pátrio, em que o particular pode exercer pessoalmente a tutela de seus interesses, sem a necessidade da intervenção do Estado-Juiz.
Por se tratar de medida excepcionalíssima, o direito de retenção somente pode ser exercido nos estritos termos da lei. Pela simples leitura do art. 1.219, percebe-se que o direito de retenção somente pode ser exercido pelo possuidor de boa-fé.
No caso concreto, a oficina mecânica em nenhum momento exerceu a posse do bem. É incontroverso que o veículo foi deixado na empresa pelo proprietário somente para a realização de reparos. Isso não conferiu posse à oficina, pois esta jamais poderia exercer poderes inerentes à propriedade do bem, relativos à sua fruição ou mesmo inerentes ao referido direito real (propriedade), nos termos do art. 1.196 do Código Civil.
Dessa forma, a oficina teve somente a detenção do bem, que ficou sob sua custódia por determinação e liberalidade do proprietário, que, em princípio, teria anuído com a realização do serviço. Assim, a posse do veículo não foi transferida para a oficina, que jamais a exerceu em nome próprio, mas sim em nome de outrem, cumprindo determinações do proprietário do bem, numa espécie de vínculo de subordinação.
Em suma, a oficina não poderia exercer o direito de retenção sob a alegação da realização de benfeitoria no veículo, pois, nos termos do art. 1.219 do Código Civil, tal providência é permitida somente ao possuidor de boa-fé, e nunca ao mero detentor do bem.
MARCELL VOLTANI DUARTE
OAB/MG 169.197
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TRÊS PONTAS-MG
Advogado no escritório de advocacia Sério e Diniz Advogados Associados, Pós Graduando em Direito Processual Civil pela FUMEC, Graduado em Direito pela Faculdade Três Pontas/FATEPS (2015), Membro da Equipe de Apoio do SAAE – Três Pontas-MG (2016), Presidente da Comissão da OAB Jovem da 55º Subseção da OAB/MG, Membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Sustentável do Município de Três Pontas/MG, Professor Substituto e de Disciplinas Especiais.