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Um dos apóstolos mais emblemáticos de Cristo é São Pedro. Nas diversas passagens bíblicas em que o seu nome é citado, torna-se possível perceber na postura, palavras, sentimentos e em seu modo de agir o dilema da nossa condição humana: o trânsito pela pequenez e pela grandeza de espírito; o medo e a coragem que leva ao martírio; o pecado latente e o árduo anseio de conversão e salvação; os momentos de titubeios e negação e a convicta profissão de fé. No Evangelho de João (21,15-19), encontramos uma das passagens mais belas do Novo Testamento: um diálogo fecundo entre Pedro e Cristo, após o evento da Ressurreição, a partir do qual as feridas no coração do discípulo, causadas pela negação diante do Sinédrio, são curadas; a fidelidade e o amor são renovados, e uma grande missão é confiada a um homem em cujo interior tencionam-se a verdade e a contradição. É sobre essa passagem bíblica e seus elementos constitutivos que queremos nos deter, a fim de conseguirmos, ao final dessa reflexão, um “retrato” mais próximo do ser humano por quem Deus olha com especial amor.

Após terem tomado a refeição, Jesus inicia uma sequência de três perguntas a Pedro, e todas tinham como núcleo um mesmo objetivo: levar o discípulo à profissão de fé através de uma entrega total, radical e interior a partir do amor: “Pedro, tu me amas”? (JO 21, 15). Certamente não era qualquer resposta que Jesus esperava de Pedro, pois uma grande missão lhe seria confiada – “Cuida das minhas ovelhas” (Jo 21, 15). Afinal, por que três vezes a mesma pergunta? E qual a intensidade da resposta e do amor se esperava naquele momento?

A palavra “amor” possui muitos significados e, talvez por isso, tenha sido tão banalizada. Hoje se ama tudo, inclusive aquilo que, pelo seu caráter, não mereceria tamanho investimento afetivo. Em contrapartida, o amor líquido desses tempos não é acompanhado pelas suas consequências mais essenciais: o respeito, o perdão e o cuidado. “Ama-se”, mas não se cuida, não se respeita e não se perdoa. Vivemos uma época de total esvaziamento do sentido e dos desdobramentos do amor. Os gregos entendiam-no sob três conceitos diferentes, porém complementares: eros, filia e ágape. O primeiro é um amor imagético que se esgota na aparência e nos sentidos; o segundo é um gostar profundo, menos caricato, mais receptivo, no entanto ainda limitado, pois diminui a sua intensidade na ausência e na falta daquela pessoa que se ama; o terceiro é o amor doação, reflexo do divino, cuja entrega se dá sem limites e totalmente, inclusive podendo levar ao Calvário e ser pendido à Cruz. Certamente, é esse o conteúdo do amor que Jesus deseja ver e sentir nas respostas de Pedro.

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Nas duas primeiras indagações, Jesus percebeu que Pedro ainda não havia entendido a pergunta, ou não estava convicto a respeito da resposta. Certamente o amor expresso em palavras, naquele momento, não era ainda ágape. Muito provavelmente, os lábios de Pedro haviam pronunciado um tímido “gosto-te”, tão titubeante, incerto e ausente quanto à sua postura naquela madrugada da condenação. Algo, portanto, apequenado diante da exigência do seguimento, da missão e do pastoreio a ser-lhe confiado. Pensando apenas pelo viés da exigência de Jesus, podemos incorrer no risco de achar que Deus exige de nós mais que podemos oferecer. Deus nunca exige mais do que a Sua graça nos alcança. Ora, isso significa que somos abundantemente preenchidos pela presença divina, e o nosso limite nunca poderá ser objetivamente calculado. Assim, Pedro, pela graça que emanava do próprio Cristo, era capaz de dar uma resposta mais firme e mais decisiva àquelas perguntas e, se não o fizera até então, era por que sentia ainda medo e receio. Os questionamentos do Mestre são também uma forma de curar interiormente o discípulo.

O Evangelho prossegue afirmando que, após a terceira pergunta, Pedro entristeceu-se profundamente e, buscando no fundo de sua alma a melhor reposta, diz a Jesus: “Senhor, Tu sabes tudo, sabes que eu Te amo”! (Jo 21, 17).  Essa frase já diz tudo em si mesma, pois é mais que uma construção de significados, é uma oração marcada pela profissão de fé e pela certeza de que não se trata de um amor transitório, pequeno e insuficiente. Na verdade, é a própria expressão do amor com que o próprio Deus nos ama! Dessa forma, o Apóstolo Pedro, apesar de todas as suas contradições e limites, recebe a missão de “cuidar das ovelhas”, ou seja, a de pastorear os irmãos na fé, ressignificando a sua própria missão, tornando-se a coluna da Igreja nascente e doravante “pescador de homens” ( Lc 5, 10-11).

A vida de Pedro deve nos trazer muita esperança pelo simples fato de ela ser o “retrato” do ser humano por quem Deus olha com amor constantemente. Mesmo em meio às nossas contradições, limites e asperezas, Ele insiste em nós e confia-nos algo importante para nós mesmos e para os outros. Tudo depende apenas da nossa abertura e da nossa resposta. Em todos os momentos, a nossa liberdade para deliberar é sempre preservada, haja vista que esse texto bíblico nos mostra que Deus insiste, mas não nos impõe nenhuma ação.  Somos nós que a assumimos à medida que nos tornamos capazes de responder: “Sabes tudo, sabes que eu Te amo”.

Padre Ednaldo Barbosa

Paroquia

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