Desde o meu isolamento, vendo o mundo pela janela, acompanho as pessoas passarem na rua, e vou verificando aquelas que usam a máscara de proteção ou não. Algumas a utilizam, nem sempre no lugar apropriado.
Vejo um idoso de seus noventa anos passeando, tranquilamente, na rua, dando a volta no quarteirão. Me pergunto: quantas pessoas existem na vida que não sabem o prazer de poder ler um livro, assistir a um filme sem nada para importuná-las? Nem sempre podemos fazer de nossa vida, nossa maneira de viver, um modelo para todos. Somos diferentes, mas, também, devemos perguntar se não podemos ser iguais em alguma coisa? Como estar engajados na mesma luta.
Temos vizinhos novos, e o entra e sai é constante, e me surpreendo quando vejo a máscara de pano pousada, tranquilamente, na maçaneta da porta, como se fosse um apetrecho qualquer, um tipo de guarda-chuva, que estará em algum momento esquecido em algum lugar. Recebem visitas, enchem a casa e, chegando do mercado, o carrinho de compras entra pela cozinha. Mas, ao sair, colocam a máscara.
Em um lugar em frente, parecendo em obras, alguém sai carregando uma quantidade de canos, seguido de uma mulher, que ao ser aberto o portão por alguém responsável, cumprimentam-se com o apertar das mãos. A mulher, ao sair na rua, põe a máscara no rosto, mesmo depois de cruzar um pátio até a saída, ajustando-a com a mão que recebeu o cumprimento. O seu acompanhante não usa.
Chega o sinhorzinho da sua caminhada e começa a conversar com um outro que está sentado em uma vitrine de uma loja, se chegam próximos, trocam conversas, ele com a máscara, o sinhorzinho não. Ele volta e encontra um outro idoso, também sem máscara, e começam a conversar, como se o tempo não existisse, ao menos este tempo.
Um e mais outro passam com seus pets, caminhando pela calçada, e eu me pergunto quando o animal chega em casa, quais os cuidados a fazer? Lavar as patas, esfregar o pelo, onde estará o vírus?
Alguns estudiosos dizem que o vírus permanece no ar por algum tempo, e depois cai no piso. Se o vento leva uma simples folha, não elevará do solo o vírus?
Passa, novamente, uma pessoa conhecida com uma comida comprada pronta. É conhecida, chamamos sua atenção e ela diz que precisa comer. Dali a um tempo ela está, novamente na rua, trazendo outra quantidade. Não nos olha mais, segue adiante.
Um artigo ou comentário que li na internet aponta uma pesquisa feita por uma doutoranda em psicologia traçando um perfil das pessoas contrárias ao isolamento: estudante, baixa renda, desempregado e de perfil de direita. Fico pensando sobre o estudante. Seria a falta das aulas e a vontade de sair pelas ruas? Baixa renda e desempregado a razão seria, presumivelmente, a necessidade em auferir alguma renda. Com perfil de direita, seria um revolucionário contraditório? O que seria perfil de direita para um estudante, baixa renda e desempregado?
O segundo aponta um negacionismo. Algumas pessoas devem se sentir acuadas, e o negacionismo é uma defesa em querer acreditar que não é bem assim. Se todas as autoridades ficam em uma posição de apoio, o negacionismo é menor, mas, se alguém destoa, é o suporte suficiente para acionar o gatilho. Sobre esse ponto, li, há muito tempo, longe desse instante pandêmico, que um terço da população apoia causas, outro terço não, e o restante das pessoas apena observa os dois grupos e toma uma decisão.
É o pior momento para bater cabeças.
Um terceiro aponta uma ansiedade. As pessoas vivem ansiosas por liberdade, por querer que tudo acabe rápido, querendo por um fim ao pesadelo.
Enquanto isso, da minha janela me debato, o que eu sou, como me sinto. Não sei explicar. Mas viver sem que haja amanhã faz todo o sentido, pena que confinado em um espaço tão pequeno. E o nosso destino e esperança nas mãos de um terço e de outro que pode apoiá-lo.