“A situação está caótica no Pará, um verdadeiro cenário de guerra. Mas fiz um juramento e o que mais importa pra mim é salvar vidas.”

Às 9 da manhã da última sexta-feira (8), Márcia dos Santos Rodrigues embarcou no Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte. Poucas horas depois, pisou em uma localidade que vive um dos piores cenários da pandemia que vem arruinando saúde e vidas. Ela está em Belém, no Pará, sexto estado brasileiro com mais casos de Covid-19. O último boletim da Secretaria de Saúde de lá, divulgado na noite de ontem (10), revela que são oficialmente 7.348 casos confirmados e 672 mortes. O governo estadual está endurecendo as medidas de contenção ao Coronavírus, decretando “lockdown”, suspendendo totalmente serviços não essenciais – por exemplo.

Viagem longa de Três Pontas até a chegada no estado do Pará. Missão: salvar vidas!

Louca de sair de Três Pontas, cidade sul-mineira que até o momento registra “apenas” 11 casos confirmados da doença? Não, não é insensatez ou irresponsabilidade: é missão, e missão para a qual se inscreveu voluntariamente.

Márcia, 31 anos, é natural de Rio Branco (Acre), é médica formada em Clínica Geral na Bolívia, com pós-graduação em Medicina de Família e Comunidade pela UFMG. De origem simples, encarou grandes desafios para realizar o sonho que alimentava desde pequena: o diploma, o jaleco, o estetoscópio, o cumprimento na prática do juramento: “(…) ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência (…)”.

A doutora é também trespontana: de coração. Seu primeiro emprego foi no posto de saúde do Quilombo Nossa Senhora do Rosário, região rural de Três Pontas. A veia cultural da cidade pesou na hora de Márcia tomar a grande decisão enquanto recém-formada em Medicina. Entre o Nordeste e Minas, optou pelas Gerais.

No município, acima de tudo religioso e musical, revela Márcia nesta entrevista, prestou seus serviços em três unidades de saúde, fez grandes amigos, virou a “doutora palhaça Pipoquinha” e empreendeu ao lado do noivo André. Tudo agora deixado para trás… temporariamente, se Deus assim permitir. A médica de Família voou ao encontro do povo paraense, avisada de que encontraria “um cenário de guerra”, mas confiante de que poderá lutar como sempre fez, bravamente, de poder seguir dedicando-se ao servir à humanidade.

Numa parceria entre os sites de notícia Conexão Três Pontas e SintonizeAqui, Dra. Márcia contou detalhes do desafio. Se emocionou ao falar do desejo de salvar muitas vidas e, em algum momento, voltar para Três Pontas.

Entrevista
Márcia dos Santos Rodrigues
Médica de Família e Comunidade
Em missão contra a Covid-19 no Pará
(Concedida na quinta-feira, 7, véspera do embarque)

Dra. Márcia, como se deu a escolha pela Medicina?

Há mais de 30 anos, minha mãe foi embora de Minas Gerais com meus avós para o Acre. Lá, ela conheceu meu pai e eles se casaram. Minha mãe é dona de casa, meu pai motorista de ônibus escolar há mais de 25 anos. O meu sonho sempre foi ser médica, desde que eu estava no pré-escolar, desde muito pequena. Nunca me imaginei fazendo outra coisa. Então, com muito sacrifício, o meu pai conseguiu que eu fosse para a Bolívia onde consegui me formar em Medicina. Foram sete anos sofridos, passei muita dificuldade, enfrentei a maior alagação da Bolívia que se possa imaginar. Durante esse período de inundação lá, trabalhei três meses como voluntária, conheci o André – hoje meu noivo. O André é mineiro e estava fazendo uma viagem de moto pela América Latina.

Acre, Bolívia, Três Pontas. O que a motivou vir trabalhar aqui no sul das Minas Gerais?

Em 2016 surgiu a oportunidade de eu entrar para o Programa ‘Mais Médicos’. No Acre existiam apenas duas vagas e mais de 24 médicos. Então, as oportunidades que me surgiram eram no Nordeste e em Minas Gerais. Como eu não conhecia Minas ainda, conversei com o André, falei quais cidades tinham vagas disponíveis e ele me falou que não conhecia Três Pontas, mas sabia que é uma cidade muito musical, ligada à arte. Me pareceu interessante porque eu gosto muito de todo o contexto cultural que Três Pontas envolve, então, acabei vindo para Minas. Aliás, conhecer Minas Gerais, terra de minha mãe, era também um sonho que sempre tive. Na verdade, eu não escolhi Três Pontas, foi Três Pontas que me escolheu, me acolheu de uma forma que eu não posso nem explicar.

Embarque no Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte.

Profissionalmente por onde passou no sistema de saúde trespontano?

Aqui em Três Pontas eu trabalhei em três postos de saúde. O primeiro foi o do Quilombo Nossa Senhora do Rosário, onde trabalhei com a Dra. Adélia – uma pessoa espetacular que me recebeu muito bem. A equipe de lá me recebeu também muito bem e eu os amo, assim como amo toda a população do Quilombo onde foi o meu primeiro emprego. De lá, por questão de logística, a Prefeitura me transferiu para o posto do bairro Padre Vitor e, depois, terminei meus três anos de contrato no PSF Dr. Oscar, que é no bairro Philadelphia. Todas as três equipes muito boas. Trabalhei com a Dra. Priscila, enfermeira Rose e por último com a enfermeira Aparecida – a Cidinha, que são pessoas formidáveis.

No ano passado, André foi ao Acre comigo e lá ficamos noivos. E também ano passado, o André – que é formado em Letras e Inglês, resolveu dar uma reviravolta e acabamos abrindo o Império do Queijo, ali pertinho da Prefeitura. Nesses últimos meses, eu trabalhei com ele tentando alavancar o negócio e estamos aí.

Dra. Márcia integra o Trêspontalhaços, no papel da Doutora Pipoquinha, levando alegria e amor aos pacientes.

Em reportagens, em postagens em redes sociais você aparece integrando o Trêspontalhaços Augustos. Fale um pouco sobre essa história.

Em 2016, o Dr. Lanner, que é dentista, me disse: ‘Márcia, estão formando um grupo de Doutores Palhaços aqui em Três Pontas e eu acho que é sua cara, tem tudo a ver com o que você faz e gosta”. Aí, ele me passou o telefone do ‘Dimel’ e conheci essa pessoa espetacular que me adicionou no grupo. Então, eu passei a fazer parte do Trêspontalhaços lá no comecinho quando o grupo estava surgindo ainda. Então, tive a oportunidade de continuar realizando um outro sonho meu, porque na faculdade eu já participava de um projeto assim e culminou em eu exercendo a minha profissão e sendo uma doutora palhaça aqui. Tenho orgulho em dizer que sou parte desse grupo Trêspontalhaços que se tornou uma grande família para mim.

Trêspontalhaços Augustos[/caption]

Encarar a pandemia do novo Coronavírus no Pará. Como surgiu a oportunidade, como isso aconteceu na sua vida?

Um amigo entrou em contato e me disse assim: ‘Márcia, no Pará a situação está bem mais complicada do que a gente está vendo, porque por enquanto está passando pouco no jornal. Está morrendo muita gente, praticamente 50% dos profissionais já se contaminaram, tem superlotação nos hospitais e eles estão convocando médicos. Você tem coragem de ir, você quer se inscrever? Eu te mando o site, o e-mail e você envia currículo’. Então, eu mandei na intenção de me inscrever e talvez poder ajudar, mas como muitos médicos se inscreveram imaginei que não seria selecionada. Mas, nessa segunda-feira, dia 4, me contataram e me convocaram.

Dra. Márcia, da convocação ao embarque se deu tudo em um prazo pequeno, em uma única semana. Já sabe como será sua atuação lá, por quanto tempo?

Vai ser outra reviravolta na minha vida porque eu já tenho a minha casa, estou ajudando o meu noivo André com a loja, mas esta é a minha vocação. Eu fiz um juramento e é uma honra para mim cumprir esse juramento. Estou muito feliz e honrada em poder ir para o Pará. Sei que lá eles estão precisando muito, e se Deus quiser, eu vou poder ajudar. Por outro lado, fico triste por ficar longe do meu noivo, ficar longe dos amigos que já se tornaram uma família pra mim, por ter que ir embora da cidade que escolhi para viver porque eu gosto muito de Três Pontas. Mas, se Deus quiser, logo, logo eu volto. O contrato é de um ano e assim que eu conseguir uma folga volto para visitar todos aqui. O contrato poderá ser renovado por mais ano, mas vamos ver como vai ser. O importante é o agora, é a emergência, é a necessidade que eles têm de profissionais lá. A coordenadora que entrou em contato comigo disse que, como a situação está crítica, ninguém pode ir comigo. Então, seja o que Deus quiser.

Como médica, sabemos que a resposta é sim, mas como pessoa: está preparada, o que espera encontrar no Pará?

Antes imaginei que iria encontrar uma situação complicada, mas ‘ontem’ (6) a nossa coordenadora nos disse exatamente desta forma: ‘venham preparados física e psicologicamente porque vocês vão encontrar um cenário de guerra’. Então, estou me preparando exatamente para isto: para ir à guerra.

A ciência e a fé, de mãos dadas, na luta pela vida, contra o inimigo invisível.

Considerações finais.

Tenho recebido mensagens de muitos pacientes. Graças a Deus pelos três postos que passei aqui em Três Pontas fiz muitas amizades. Muitos pacientes até hoje me mandam mensagem, gostam muito de mim, graças a Deus, e é isso que está me dando força para ir e para voltar logo. Se Deus quiser tudo isso vai passar logo e poderemos nos reencontrar e nos abraçar novamente.

Esta reportagem foi produzida em conjunto pelos veículos de comunicação de Três Pontas:

que, na oportunidade, agradecem à Dra. Márcia pelos serviços prestados à comunidade trespontana, a parabenizam pela destemida iniciativa e desejam proteção e sucesso nesta nova empreitada humanitária.

 

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Roger Campos

Jornalista

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