O que? Mas como assim? Agressão psicológica contra a mulher no âmbito da violência doméstica e familiar é crime de lesão corporal?
Sim, é o que passaremos a tratar nesse texto, sendo esse um tema debatido, porém novo na aplicação nos juizados que cuidam da violência contra a mulher.
O que será tratado aqui é que o dano psíquico é capaz de gerar lesão corporal na mulher vítima de violência doméstica, sendo este um fato impeditivo até para que as mulheres vítimas abandonem essa relação conflituosa.
Dessa forma, entendendo o Juiz que aquele que causa agressão psicológica à companheira, ou a alguém da relação doméstica, e, que lhe causa danos, pode ser condenado pelo artigo 129, do Código penal, que trata da Lesão Corporal.
Para melhor entender esse conceito, iremos trabalhar a partir de perguntas e respostas numa tentativa de clarear ao público que vem buscar informações nesse texto.
1 – O que é violência psicológica?
A violência pode ocorrer de várias formas, é o caso da violência física, sexual, negligência e a psicológica.
Esta última, que é a que nos interessa, é toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. Inclui: ameaças, humilhações, chantagem, cobranças de comportamento, discriminação, exploração, crítica pelo desempenho sexual, não deixar a pessoa sair de casa, provocando o isolamento de amigos e familiares, ou impedir que ela utilize o seu próprio dinheiro.
Para a Organização Mundial de Saúde (1998), a violência psicológica ou mental inclui: ofensa verbal de forma repetida, reclusão ou privação de recursos materiais, financeiros e pessoais. Para algumas mulheres, as ofensas constantes e a tirania constituem uma agressão emocional tão grave quanto as físicas, porque abalam a autoestima, segurança e confiança em si mesma.
A principal diferença entre violência doméstica física e psicológica é que a primeira envolve atos de agressão corporal à vítima, enquanto a segunda forma de agressão decorre de palavras, gestos, olhares a ela dirigidos, sem necessariamente ocorrer o contato físico.
Esse é um tipo de violência mais difícil de ser provado, pois, enquanto na violência física ou sexual é bastante um laudo do IML para demonstrar os danos, a violência psíquica depende também de laudos profissionais, que não são tão fáceis de interpretar.
Por isso, pode-se considerar que a violência doméstica psicológica é muito negligenciada pelas autoridades, e que precisa tratamento mais especializado.
Menciona-se que a violência psicológica bem como a física, não atinge só a vítima, mas alastra-se até outros sujeitos da relação, imagine a mãe que todos os dias é xingada e humilhada pelo companheiro
tendo suas crianças como plateia, imagine o dano causado a esses menores que presenciam e são também vitimizados.
Além das políticas públicas necessárias ao combate dessa violência, novos entendimentos jurídicos devem nascer para que haja condenação por lesão corporal como é o caso do que tratamos aqui.
2 – O que é O Crime de Lesão corporal?
Vamos observar o comando do artigo de Lei:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena – detenção, de três meses a um ano.
Veja que o texto diz, ofender a integridade corporal, ou a saúde de outrem. É claro que o corpo faz parte da saúde, e vice-versa, mas somente daí extraímos que o legislador entendia e queria proteger o bem jurídico que é a saúde como um todo, inclusive a psicológica.
O conceito de lesão corporal, como se vê, deve ser entendido não apenas como uma lesão física ao corpo, mas toda e qualquer ofensa que prejudique a integridade física ou psíquica, incluindo, assim, qualquer distúrbio à saúde do ofendido.
A lesão à integridade corporal é toda aquela que lhe cause alteração, seja ela anatômica ou funcional, como, por exemplo, uma mutilação ou uma fratura.
Diz-se alteração anatômica aquela que deforma o corpo como a mutilação. Considera-se alteração funcional aquela que prejudica alguma função do corpo humano como, por exemplo, a fratura de um braço que prejudica a função desse membro. A lesão à saúde de outrem se caracteriza por toda ou qualquer alteração fisiológica do organismo ou perturbação psíquica do ofendido.
O crime de Lesão corporal pode se classificado da seguinte forma.
Lesão corporal simples: uma agressão que gere vermelhidão, desmaio ou dor não permanente. A detenção prevista é de 3 meses a 1 ano. Porém, a pena pode ser revertida em multa ou trabalhos comunitários.
Lesão corporal grave: exemplos são ações que deixem a vítima incapacitada de realizar tarefas domésticas, de lazer ou de trabalho por mais de 30 dias ou que gerem risco de vida. Também que cause debilidade permanente de membros, olfato ou sentido do corpo, como visão, paladar, respiração, digestão ou locomoção. Nesses casos as penas variam entre 1 e 5 anos de reclusão.
Lesão corporal gravíssima: são crimes que geram detenção de 2 a 8 anos. Exemplos são crimes que provoquem uma incapacidade ou deformação permanente, aborto, perda ou inutilização de membro ou enfermidade sem cura.
Lesão seguida de morte: aplica-se quando o agressor não tinha como intuito gerar a morte da vítima por meio da agressão. No entanto, a circunstância necessita ser evidenciada. Nesse caso, a lesão corporal seguida de morte pune com detenção de 4 a 12 anos.
3 – A Lei Maria da Penha trata da violência psicológica?
Sim, cuidou o legislador de trazer o comando que trata-se diretamente da violência psicológica, está no art. 7º.
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018)
Os efeitos deste tipo de violência são imensuráveis e podem ser irreversíveis para o resto da vida, podendo gerar indivíduos que sofrem de ansiedade, angústia, baixa autoestima, depressão, sentimento de incapacidade, sentimento de culpa, perda da memória, diagnóstico de pânico, diagnóstico de fobias, sensação de vazio, perda de sentido da vida, tentativa de suicídio, falta de esperança, dificuldade em confiar e criar laços relacionais saudáveis, dentre outros, que prejudicam inclusive à vida em sociedade.
Veja que recentemente foi trazida essa alteração, isso em 2018, estamos ainda recentes na descoberta e tratamento jurídico da questão referente a violência psicológica contra a mulher, há muito ainda que avançar.
4 – Porque violência psicológica pode ser considerada Lesão Corporal? E quais as implicações disso?
Feitas as considerações anteriores importantes para o esclarecimento, temos agora que responder à importante questão, porque considerar a violência psicológica uma lesão corporal?
As explicações, feitas até agora, esclareceram o que é uma violência psicológica, e o que é lesão corporal, ou seja, passamos a entender que o crime de Lesão Corporal tenta proteger não só a integridade do corpo, mas de todo o ser do indivíduo, inclusive a saúde mental e psicológica.
Toda vez que ocorrer violência psicológica contra alguém, está aí configurado o crime de Lesão corporal.
É claro que não bastará a simples reclamação apresentada no registro de ocorrência, mas claro, a avaliação inclusive psicológica e psiquiátrica, além de outras provas como testemunhas para demonstrarem que o agressor praticou a violência psicológica e que por isso será condenado por Lesão corporal.
É importante registrar aqui, que as mulheres geralmente procuram a delegacia para registrar ocorrência de violência doméstica quando há lesão corporal capaz de ser detectada pelo laudo do IML, soco, tapas, puxões de cabelo, perfuração por instrumento perfuro contundente, dentre outros.
Já com essa nova visão, as mulheres que nunca sofreram sequer um empurrão pelo companheiro, mas que são vítimas de violência psicológica, poderão da mesma forma procurar a delegacia de proteção às mulheres e registrarem ocorrência, a delegada de posse das informações poderá fazer a abertura do inquérito que, junto com o laudo psicológico, e outras provas a serem desenvolvidas no âmbito do processo, haverá base para condenar o agressor.
Em setembro de 2019, o magistrado Marcelo Volpato de Souza, atual titular do Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca da Capital, a partir de laudo psicológico fundamentado, condenou um ex-marido à pena de sete anos de detenção pelos crimes de lesão corporal contra idosa e dano qualificado. O casal conviveu por nove anos, sempre com registros de agressão verbal e psíquica contra a mulher. Destaca-se que a Lei Maria da Penha, em seu artigo 16, traz a possibilidade de audiência de justificação/retratação, para os crimes de natureza pública condicionada, tais como injúria, calúnia e difamação.
Nessas audiências são possibilitadas às mulheres renunciarem a queixa que fizeram contra os companheiros caso os crimes sejam dessa natureza, ou seja, quando é da vítima a possibilidade de representar ou não.
Já no caso de outros crimes, como o de Lesão corporal, não é possível retirar a queixa mesmo em audiência designada para tal fim, o que certamente trará a condenação do agressor. Essa é uma das implicações muito importantes para essa adequação da violência psicológica ser entendida como lesão corporal.
Sendo assim, concluímos que:
A) Uma mulher, assim entendida na relação (podendo ser a transexual), que tenha sido violentada psicologicamente, pode procurar a delegacia de proteção à mulher e registrar boletim de ocorrência por lesão corporal em desfavor de companheiro ou alguém da família.
B) A violência psicológica pode ser demonstrada através de laudo psicológico, psiquiátrico, bem como por testemunhas, ou até outros documentos que demonstrem como a vítima era agredida, vídeos, fotos, postagens em redes sociais.
C) A vítima de violência psicológica, neste ponto de vista, não poderá retirar a queixa, ou renunciar ao processo contra o agressor, tendo em vista que essa é uma ação pública incondicionada, onde o Ministério Público é o titular da ação.
D) Não é necessário aguardar ocorrer qualquer violência física para buscar a delegacia e relatar o caso às autoridades, basta que esteja enquadrada em uma das hipóteses de violência psicológica já explicada nesse texto.
E) Mulheres vítimas de violência psicológica podem e devem ser indenizadas inclusive para que sejam tratadas, e consigam recuperar a saúde e voltar à vida normal.
Gabriel Ferreira de Brito Júnior – OAB/MG 104.830
Trabalhou como Advogado na Sociedade de Advogados “Sério e Diniz Advogados Associados” desde 2006/por 13 anos, Especialista em Direito Civil e Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Newton Paiva (2006), Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Varginha – FADIVA (2001), Oficial de Apoio Judicial (Escrevente) do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais por 10 anos (1996-2006), Conciliador Orientador do Juizado Especial Itinerante do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (ano 2004), Presidente da Comissão de Direito Civil e Processo Civil da 55ª Subseção da OAB da Cidade e Comarca de Três Pontas/MG.
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